A Igreja Católica consagra o último domingo de outubro como “dia das missões”. É uma forma de recordar: ninguém vive para si mesmo, mas para os outros. A missão de uma Igreja cristã é dialogar com a humanidade e dar testemunho da realização do projeto divino no mundo.

Ainda hoje, há cristãos que confundem missão com proselitismo e entendem de forma fundamentalista o mandado de Jesus: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a todas as nações” (Mt 28, 19). O próprio Novo Testamento revela que os apóstolos e discípulos não compreenderam estas palavras ao pé da letra, já que não saíram imediatamente pelo mundo afora para anunciar a boa notícia do reino. De acordo com os Atos dos Apóstolos, todos ficaram em Jerusalém e, mesmo depois de perseguidos naquela cidade, não a deixaram (At 8, 1). Só com Paulo, Barnabé e outros, é que a comunidade cristã se abre ao mundo estrangeiro, então chamado de “pagão”. Paulo e seus companheiros fazem várias viagens pelas cidades do Império Romano, até à Europa. Entretanto, em cada lugar, Paulo e seus auxiliares não procuram converter pessoas nas ruas e praças, como, hoje, é freqüente alguns grupos cristãos fazerem. Os Atos dos Apóstolos dizem claramente que eles iam às sinagogas e fortaleciam grupos de discípulos de Jesus dentro do Judaísmo. Somente mais tarde, quando a sinagoga não aceitou mais os cristãos como membros da comunidade judaica, (nos anos 80), os cristãos formaram comunidades independentes do Judaísmo.

Em sua época, Paulo converteu ao discipulado de Jesus pessoas “tementes a Deus”, simpatizantes que ainda não haviam aderido ao Judaísmo e só depois abriram as comunidades para gente de outras culturas. Nem Paulo nem outros discípulos pediram aos judeus que deixassem sua religião, como não exigiram dos gregos abandonarem sua cultura. Por isso, ele pode dizer: “eu me fiz judeu com os judeus e grego com os gregos” (1 Cor 9, 20). A mensagem de Paulo é que todo mundo, de qualquer cultura e religião que seja, deve aceitar a proposta divina, aquilo que os evangelhos chamam de “reinado de Deus” que vem ao mundo para todos.

A teologia atual revaloriza esta verdade: o Evangelho é a boa notícia do reinado de Deus que realiza o seu projeto no mundo. Evangelizar não quer dizer ensinar uma doutrina, menos ainda converter alguém a uma determinada Igreja. A missão das Igrejas cristãs é colaborar para que o projeto divino (o reino) possa se manifestar em todas as ações de justiça, fraternidade e paz. Não se faz isso como quem tem a verdade e deve convencer o outro e sim pela valorização dos sinais da presença e da atuação divina nas realidades do mundo e de outras religiões que encontramos. Os evangelhos que contam: uma vez os discípulos contaram ao Mestre que tinham encontrado alguém que expulsava o mal das pessoas. Eles proibiram porque não era alguém que pertencia ao grupo deles. Jesus os repreendeu dizendo: “Não façam isso. Quem não está contra nós é porque está do nosso lado” (Cf. Lc 9, 49- 50).

Neste mundo pluralista, ainda se torna mais urgente e importante que as Igrejas recuperem esta abertura de coração. Devem ser comunidades de diálogo e acolhida do outro e nunca de intransigência e rejeição. No plano mais profundo, isso nunca é fácil. Testemunhar que Deus atua no meio dos outros comporta sempre uma espécie de morte aos nossos próprios projetos fechados, ao mesmo em tempo que significa uma ressurreição para a relação de amor. Pede de cada pessoa engajada neste projeto não somente consciência intelectual, mas sensibilidade de imaginação criadora. Nos anos 60, John Lennon escreveu uma canção que se chamava “Imagine”. Até hoje, é muito cantada em inglês: “Imagine que o paraíso não exista. É fácil provar isso. Não há inferno embaixo de nós. Acima de nós, somente o céu…”. Parece Jesus dizendo: “o reino de Deus está dentro de vocês” (Lc 17, 21).

Homens como o papa João XXIII, Dom Helder Câmara e o pastor Martin-Luther King compreenderam profundamente isso. Foram profetas que transformaram o mundo e, ao mesmo tempo, poetas sensíveis e encantados com a humanidade. No dia 12 de outubro de 1962, depois de um dia inteiro de trabalho no qual tinha inaugurado o Concílio Vaticano II com todos os bispos católicos em Roma, o papa João XXIII soube pelo seu secretário que a praça de São Pedro estava cheia de povo. Todos, com velas nas mãos, pediam para ver o papa. Este apareceu na janela, saudou a multidão e disse: “Olhem a lua cheia. Ela veio embelezar a nossa festa. Voltem para casa e dêem um abraço ou façam um gesto de carinho em nome do papa na primeira pessoa que vocês reencontrarem em casa. Digam que o papa lhes manda este gesto de amor”. Isso continua a ser o núcleo central da missão de todas as pessoas espirituais.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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