No ar pairava uma expectativa de ambas as partes. Da minha, na condição de juiz da comarca, que, pela primeira vez, teria, ao meu lado, um promotor estreante, diamante bruto a ser lapidado. Da parte dela, também, por representar a primeira comarca a exercer as funções de promotora de Justiça. A convivência do magistrado com a promotoria fazia parte do bom desenvolvimento dos trabalhos forenses, no meu tempo, há tantos e tantos janeiros atrás, ressalte-se.

A jovem promotora chegou ao fórum da comarca de Campo do Brito acompanhada do promotor que se despedia. Gilson Gama Monteiro, aprovado no concurso para Procurador da República, se encarregou de fazer a apresentação, misto de recomendação. Não haveria gesto mais cortês do que conduzir a colega principiante ao seu ambiente de trabalho. Afinal, para o exercício da Promotoria de Justiça fizera concurso e alcançara média elevada, das melhores, senão a melhor. A minha frente, os anos são muitos, mas a imagem fica, a jovem promotora de nome comprido, Maria Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça (ufa!), a ocupar a cadeira do lado direito do juiz, reservada ao membro do Ministério Público. Ano? 1982? Talvez.

A Comarca de Campo do Brito, englobando Campo do Brito, São Domingos, Macambira e Pedra Mole, se constituía em um palco adequado para o início de qualquer carreira, seja a de juiz de direito, seja a de promotor. O processo corria em pequeno número, suficiente para não abafar ninguém. Poucos crimes, a maioria tendo por palco as grotas do Vaza-Barris, em São Domingos. Comarca calma, cujo fórum se beneficiava com a sombra proporcionada pelos oitizeiros da Praça Nossa Senhora da Boa Hora, onde a Igreja Matriz, com as bênçãos de Nossa Senhora da Boa Hora e de São Roque, se erguia.

Aliás, todos nós tínhamos algo de estreantes: a própria comarca, recém restaurada; a promotora que chegava, e eu. Só que em minhas mãos pairava o maior número de anos de atividade: quase quatro como juiz de direito, o suficiente para me garantir a condição de maestro de uma pequena e modesta orquestra que, no fórum e nos cartórios, se formava. Eu daria o sinal a promotora para que, em meio à execução de uma peça [=processo], pudesse ela tocar seu instrumento. Cabe ao maestro transmitir tranquilidade aos músicos do seu grupo. Foi o que fiz.

Mas reger uma orquestra, na qual a dra. Maria da Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça se incluía como membro do Ministério Público [estadual], era tarefa que se tornava fácil, à medida que a nova promotora mostrava o talento que já trazia no sangue, na qualidade de filha de Jacinto Figueiredo, o poeta dos Motivos de Aracaju, de sobrinha de Jackson também Figueiredo, de renome nacional, talento que fazia com que, por suas intervenções, nas audiências e nos autos, mostrasse que não se cuidava de uma simples ocupante da cadeira, mas de uma promotora que exercia, com eficiência e precisão, as suas funções, deixando a marca de sua capacidade jurídica em as manifestações produzidas, em cujo teor transparecia a diferença do jurista para o pé duro. Ora, já Tobias Barreto a assertiva de que pela asa, que deixa cair, se tem idéia do tamanho da águia.

Infelizmente, os tempos ainda eram primitivos, bem primitivos mesmo. Apesar de sua excelente colocação no concurso (tenho quase certeza de ter sido o primeiro lugar) e de já estar na comarca, não foi dado a dra. Maria da Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça o direito de em Campo do Brito permanecer. Nem ao menos se declarou a vaga aberta com a saída de Gilson Gama Monteiro. A Promotoria de Justiça de Campo do Brito, por questões meramente domésticas, contundentemente familiares, foi negada a dra. Maria da Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça, a quem não se concedeu nem o direito de fazer um simples pedido no sentido de ali permanecer como Promotora. Azar da comarca que perdia uma grande promotora. Azar da orquestra que ficou órfã de uma excelente profissional. Azar o meu que deixava de ter, na comarca, uma promotora de talento.

De lá para cá muita nuvem pintou de branco o azul do céu. A dra. Maria da Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça passa, agora, a condição de Procuradora de Justiça, pelo critério de antiguidade, o que, no caso, me faz lembrar uma frase que ouvi muito, lá mesmo, em Campo do Brito, no sentido de que antiguidade é posto. Sou suspeito para enaltecer a antiguidade, porque foi por esta porta que, também, ocupei uma cadeira no colegiado do Tribunal Regional Federal da 5a. Região, em Recife. No caso específico da jovem e novata Promotora de Justiça dos anos oitenta, do século passado, da Comarca de Campo do Brito, é mais do que merecido: é justo, justíssimo, pelo talento, pela operosidade, pelo domínio da matéria jurídica, pela capacidade de trabalho, pela experiência que os vinte e tantos anos de promotoria, no interior e na capital, lhe proporciona, pela seriedade com que encara as funções, por tudo, enfim, que forma o seu imenso cabedal de profissional de alta envergadura.

Evidentemente que a admiração pela dra. Maria da Conceição Figueiredo Rolemberg Mendonça, nascida quando a vi atuar na Promotoria Pública de Campo do Brito, me faz duplamente suspeito, farta a palavra para o elogio, que, no caso, bom que se proclame, não é inepto, nem prosaico, mas carrega a verdade, pura e singela, autêntica e crua, com sabor de justiça, oriunda de um magistrado de trinta e um anos de intensa militância, na primeira e agora segunda instância, pelo coroamento de uma carreira, dela, brilhante no Ministério Público sergipano, no qual continuará a atuar, agora no planalto do segundo grau, com a mesma desenvoltura assinalada na sua passagem pela planície do primeiro.

Lastimo não poder mais, como maestro, dar o sinal do momento em que a jovem promotora deve entrar no ar com o seu instrumento.

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Publicado no Correio de Sergipe

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