Padre Beto 20 de outubro de 2009

Em uma certa manhã, do alto de uma palmeira, caiu um pingo de orvalho no mar. Ele acreditava que, em poucos minutos, iria acabar se diluindo, mas as ondas o levaram para bem longe sem deixá-lo livre. Em um determinado momento, o pingo de orvalho ouviu uma voz: “Depressa, entre rápido em minha casa! Aqui você estará em segurança!” O pequeno pingo de orvalho obedeceu a voz e se fechou entre as conchas de um molusco. Nos primeiros minutos, ele se sentiu agradecido, mas devagar começou a repensar sobre sua situação: “Eu estou seguro aqui, mas também sem liberdade! Talvez eu nunca mais vou ver a luz do sol e poder refletir as cores do arco-íris!” Foi, então, que o velho e sábio molusco resolveu acalmá-lo: “Muitas vezes, não vale a pena se revoltar com as situações da vida. Em certos momentos, a revolta somente intensifica a dor e aumenta as nossas preocupações. Mas, se você for paciente, a difícil situação poderá se tornar uma verdadeira oportunidade para uma vida melhor!” O molusco ainda acrescentou: “Então você estará pronto para aprender com a vida e, com certeza, um dia você será muito mais do que é agora!” O pingo de orvalho ouviu tudo com muita atenção e apesar de não compreendê-lo resolveu seguir os conselhos do molusco. Com o passar do tempo ele começou a se sentir mais forte e perceber uma transformação em seu ser. Todos os dias ele repetia para si mesmo: “Adeus para o que eu era ontem. O hoje não vai durar eternamente. Amanhã será cada vez melhor!” Em uma certa manhã, o pingo de orvalho avistou pelas frestas da velha concha algo que parecia ser uma grande flor. Na realidade era a mão de um mergulhador que, depois de recolher algumas conchas, voltou para seu barco. Uma menina abriu a velha concha e com um grito chamou a atenção dos tripulantes: “Olha só – eu achei uma pérola lindíssima! Ela tem a forma de um pingo de orvalho e as cores do arco-íris!” Todos, então, olharam admirados para a mão da menina.
A exigência de produção por parte da sociedade capitalista, a necessidade de ser produtivo para sobrevivermos, a cada vez mais acelerada evolução tecnológica e a rapidez dos meios de comunicação provocaram mudanças significativas em nossa forma de perceber o universo que nos circunda. Hoje temos a impressão de que o tempo passa com muito mais rapidez e somos tomados por uma certa ansiedade em relação ao futuro. Todos os dias levantamos com sede de novidades e nos cobramos várias vezes em relação ao fruto do nosso trabalho. Entre nós tornou-se cada vez mais comum uma postura imediatista que nos faz avançar diante de nossos objetivos, mas também nos impede de saborear a vida e respeitar o seu ritmo natural. Diante de nossos projetos queremos ver os resultados o mais rápido possível, afinal, a sociedade procura sempre nos lembrar que “tempo é dinheiro”. Aristóteles já afirmava que “em tudo o que fazemos, temos em vista alguma outra coisa”, porém a ansiedade em alcança-la tornou-se uma doença crônica. Em uma plantação, basta um momento para semear e também alguns para colher. Mas quanto tempo é necessário para a germinação do trigo é uma questão que se transformou em um tormento. A palavra “paciência” parece ter ganho um acento pejorativo, algo antiquado para o nosso tempo. Sem dúvida alguma, a “paciência-resignação” é sinal de estupidez, mas a paciência atenta e meditativa, esta sim nunca foi tão necessária na atualidade. Reaprendê-la em nosso itinerário humano é um verdadeiro exercício de pura sabedoria. “Pensando em conseguir de uma só vez todos os ovos de ouro que a galinha poderia lhe dar, ele a matou e a abriu apenas para descobrir que não havia nada dentro dela” (Esopo). É fato notório que possuímos ótimas “estufas artificiais”. Contudo, um brilhante “caqui” madurado ao sol, batido pela chuva, é mais saboroso do que o da “estufa”. As obras feitas de afogadilho, sem a colaboração do tempo, o próprio tempo se encarrega em destrui-las. Por isso é fundamental respeitar a liberdade, o ritmo da natureza e saborear cada experiência que a vida nos oferece; afinal, Madalena foi primeiro mulher da vida. Só depois tornou-se santa, e ela não é nenhuma exceção. “Se me dizes que desejas uma manga, responderei que deves dar tempo ao tempo para que haja, primeiro, uma flor, depois uma fruta e para que a fruta amadureça” (Epicteto). Porém, paciência não significa comodismo, braços cruzados, instalação no mais fácil. A paciência saudável deve ser lúcida, vigilante e em constante interação com a realidade. “A ansiedade é como areia em uma ostra; alguns grãos produzem uma pérola, mas muitos matam a ostra” (Malba Tahan).
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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