EXPRESSÃO DA FÉ POPULAR

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A Festa de S. Bartolomeu de Maragojipe toma, praticamente todo o mês de agosto. Desde o pregão, incluindo a novena, a missa do dia 24/08 – dia litúrgico do santo patrono – a lavagem, a missa oficial do dia 30/08, até a conclusão com a procissão apoteótica (ela é considerada a maior expressão que se conserva das antigas procissões do Recôncavo), tudo faz com que na cidade, não se fale ou se pense em outra coisa, a não ser na festa do santo.

A casa do vigário, Pe. Reginaldo Moraes, vive cheia de convidados. Ele, por natureza, gosta de casa cheia. Pe. Sadoc (que também gosta de casa cheia), diz que esse vigário lembra os antigos vigários ”colados”, isto é, aqueles antigos curas que tinham o privilégio de morrer no cargo – eram inamovíveis de suas funções paroquiais – e tinham a casa assim como a do Pe. Reginaldo: sempre cheia de gente, a comida sempre dava para todos. Era uma casa- coração. Na sua mensagem, no folder oficial da festa, o pároco convida a todos a uma intensa participação: ”Queridos paroquianos, estamos celebrando a festa maior da nossa paróquia, que é a festa do Padroeiro S. Bartolomeu. (…). Convoco a todos para este momento forte de evangelização, que é a festa do nosso patrono maior. Deus que ilumina a todo homem, ajude-nos neste trabalho de levar aos corações a mensagem de Jesus Cristo”.

O folder ainda explica a origem do nome do santo. Na verdade, no evangelho ele é chamado de Natanael, mas ficou conhecido por Bartolomeu. Aliás, em Maragojipe há uma forte tradição de se colocar nos filhos ambos os nomes. Mas a explicação para o duplo nome é que na tradição bíblico-judaica, muitas vezes os filhos eram chamados pelo nome do pai – é como em algumas regiões do Brasil, sobretudo no nordeste: a pessoa é conhecida como “filho de fulano”. Ora, em hebraico (talvez também em aramaico), pai é “bar”, e o pai do santo chamava-se de Tolomeu ( há outros exemplos nos evangelhos : Bartimeu, Barjonas ) – portanto, a mudança torna-se clara: ele era Bar-Tolomeu, isto é, filho de Tolomeu. E assim ficou conhecido na tradição. As informações sobre os santos-heróis dos primeiros séculos misturam-se com uma mítica lendária, por falta de uma documentação escrita. Diz-se que ele foi o evangelizador da Armênia e da Índia, onde morreu mártir.

Na verdade, o sacro e o profano em Maragojipe,confundem-se. Na última campanha política, o prefeito (aliás, meu amigo) mandou fazer uma imagem do santo, de quase dez metros de altura e colocou-a na praça da matriz. E isso sem combinar com o vigário. Claro que venceu, graças à “intercessão” do santo milagroso. A lavagem, com uma participação de visitantes que lá chegam em cerca de 600 ônibus, é uma mistura de devoção e parafernália – como as antigas saturnais .

Os estudiosos da religiosidade popular apresentam motivos para a religião ser abordada como argumento social. A experiência vivenciada no Brasil, confirma a afirmativa de Durkheim que proclamava a perenidade do assunto através dos tempos. Há duas direções na abordagem desse tema. Uma trata de sua evolução teológica, conceitual. A outra via de abordagem conduz à verificação do procedimento popular frente à vivência religiosa. Nessa perspectiva, o tema da religião, dentro das atuais abordagens historiográficas, tem apresentado interpretações inovadoras que colocam a explicação do religioso como fenômeno da vida social em conjunto. Nessa perspectiva, foge-se das explicações fechadas de se ver a religião como forma de dominação política ou a religião como neurose coletiva.

Até o final do século XIX, o catolicismo no Brasil estava fundamentalmente nas mãos dos leigos. As irmandades e confrarias, voltadas para a celebração do culto e das devoções aos santos e às almas, foram o principal suporte da religião católica brasileira. Atualmente, os estudiosos do tema, preferem o termo “catolicismo do povo”, em substituição à noção ambígua de “catolicismo popular”, pois é uma expressão de uma manifestação que está nas mãos do povo, isto é, do simples fiel.

A imponente matriz de Maragojipe, conforme informação do folder, foi construída na segunda metade do século XVIII, com 1.100 metros quadrados de área construída, uma referência arquitetônica da engenharia colonial. ”A mão-de-obra escrava foi usada, o sangue e o suor dos negros foram o amálgama em quase 80 anos de construção”.

Que S. Bartolomeu continue intercedendo pelo bom povo de Maragojipe.


Sebastião Heber. Professor adjunto de antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu, membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia ( Casa da Bahia), e da Academia Mater Salvatoris.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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