Estou convencido de que Masseta, em verdade, deve ser escrito com dois ss, sendo, efetivamente, proveniente de massa. O apelido, buscando um superlativo sui generis, apresentava o significado de se cuidar, ele, Masseta, de pessoa dotada de muito peso, ou seja, de ter muita massa, difícil de ser vencido ou de levar desvantagem. As suas (de Masseta) tiradas filosóficas teriam originado o apelido, a partir do momento em que alguém observou, depois de uma de Masseta, que a sua afirmativa era diferente e engraçada. Daí terem apelado para o superlativo: Masseta. É o que presumo. À míngua de quem possa me explicar a origem exata, chego a esta conclusão e grafia. Peço desculpas, assim, por ter, em linhas anteriores, optado pela grafia Maceta, a mesma que inseri em APELIDOS EM ITABAIANA, cuja segunda edição, aumentada e melhorada, já está em fase de gestação.

Pois bem. Masseta foi mais um filósofo de Itabaiana, pródiga na matéria, neste sentido. Há outros, no momento, embora ainda não tenham merecido a contemplação nas enciclopédias britânicas para a oficialização devida. Entre os demais, foi o que menos viveu, embora por tempo suficiente para marcar presença, merecendo figurar, no panteão [é bricandeira?!] dos filósofos itabaianenses, ao lado de Filomeno Andrade e de Zequinha das Sete Portas, nomes que sobrevivem as décadas que se seguiram ao óbito via das tiradas/saídas, algumas que mereceram de Renato Mazze Lucas a imortalidade em dois contos. Masseta, mais modesto, com outro estilo, platéia renovada e tempos mais modernos, não tendo, como os dois outros, morado a vida inteira em Itabaiana, deve se contentar, por ora, com os meus artigos, mesmo porque quando Renato Mazze Lucas morou em Itabaiana, devia ser bem pequeno, não tendo ainda despertado a atenção de ninguém para as tiradas que, mais tarde, se tornariam freqüentes.

Bom abrir espaço para lembrar/registrar algumas de Masseta.

Uma, de velhas datas, época em que para a matrícula nos ginásios estaduais se fazia necessário um atestado de sanidade mental, expedido pelo Hospital Adauto Botelho. O servidor, num corredor, já tinha os atestados assinados em branco. O aluno dizia o nome, sem necessidade de nenhuma comprovação, e o atestado era ali preenchido. Pois bem. Masseta conseguiu um desses atestados em nome de Renato Bispo de Lima. Renato tinha um parafuso a menos. Masseta levou o atestado para Itabaiana, entregando-o a Renato para que, doravante, ficasse ciente de que não era portador de nenhuma anormalidade psíquica. O atestado foi exibido por Renato durante muitas semanas, com uma alegria enorme.

Uma outra, no Colégio Estadual de Sergipe, ao cursar o científico. Aula de inglês, do professor Franklin, que, após fazer a chamada, anuncia que vai fazer uma argüição valendo nota. A classe está silenciosa. O mestre abre a caderneta e se depara com o nome de Masseta: Agdo Oliveira Santos. Masseta, imediatamente, exclama: Presente! O professor Franklin, distraído, repete a chamada.

Outra, ocorrida, também, em Aracaju. Masseta fez concurso para a Polícia Federal e guarda a carteira de identificação. Nos dias de jogos no Baptistão, de paletó, sem gravata, aparecia na entrada das cadeiras com um pelotão de estudantes de Itabaiana, que se hospedavam na República Cebolinha, à rua de Maruim. Com a maior cara de pau do mundo, numa sisudez própria de um autêntico policial, inclusive para não dar margem a qualquer conversa, exibia a carteira, com uma palavra mágica que fazia soar com altivez – Polícia Federal!, e, apontando para a molecada ao seu lado, completava: estão todos comigo. Todo mundo entrava no estádio sem pagar nada. Evidentemente que a carteira nunca foi examinada, o porteiro, naturalmente, com receio de dar alguma mancada.

Outra, na falecida Boate Bambu, no início da cidade. Masseta estava lá com um grupo de estudantes itabaianenses. Um deles, cujo nome não estou autorizado a revelar, entrou numa briga e foi preso. Masseta, de longe, ao observar a prisão, aproximou-se dos policiais, e, exibindo uma carteira [falsa] da Polinter, segurou o estudante preso, dizendo: Polinter. Há duas semanas que estou atrás desse sujeito. Pegou o preso e saiu com ele da Boate Bambu, calmamente, ante a inércia dos policiais que, com toda a razão, ficaram parados ante a investida de Masseta.

Luciano Góis, ou melhor Cibalena, itabaianense aquartelado em Recife, professor da Universidade Federal de Pernambuco, autor de diversos e importantes ensaios políticos, ao ler o primeiro artigo meu sobre Masseta, me mandou uma mensagem, acrescentando um fato que desconhecia, fato, aliás, tendo Masseta como protagonista central. Estava ele, Luciano, com o irmão Benedito e outra pessoa, além de Masseta, quando alguém se aproximou e saudou Masseta: – diga, filho de Zé Bigodinho! Masseta, rapidamente, indagou: qual deles?

Já no Hospital São José, quando a morte se preparava para leva-lo para o cemitério de Itabaiana, recebeu a visita de um conterrâneo, como ele adepto de água que passarinho não bebe. Masseta estava sentado na cadeira e indicou ao amigo visitante, seu colega de longas reuniões nos bares da vida de Aracaju, a cama. Sente aí. O visitante, um tanto tocado pelo álcool já consumido naquele dia, obedeceu, ocasião em que uma enfermeira entrou no quarto para aplicar uma injeção no paciente internado. Masseta, precavido, teria se voltado para a enfermeira: o paciente é o que está na cama. Há quem diga que no visitante é que foi aplicada a injeção. E há quem acredite, também.

Há outras de Masseta, a mostrar que a sua filosofia estava no sangue, faceta que a morte não acabou, porque a história registra. Pelo menos é o que, modestamente, tento agora fazer.


(*)
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Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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