Djanira Silva 8 de setembro de 2009


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Não sou borboleta, nem abelha, e, menos ainda lagarta mas gosto de visitar, de vez em quando, o jardim. Foi o que fiz ontem pela manhã. Não para colher o pólen das plantas, não para enfeitar com minhas cores o jardim nem para me alimentar das folhas. Fui lá para aprender a vida.

Embora os vegetais sejam autônomos para retirar da terra a alimentação de que necessitam, alguns, principalmente as flores, carecem de cuidados especiais. As roseiras gostam de sol e muita água. As begônias de sombra e pouca umidade. O calachoe é um mistério. Já li em livros de jardinagem que não se deve aguá-los todos os dias nem molhar as folhas. Segui à risca as orientações. Algumas secaram, e de flores nem sinal. Fiquei surpresa quando, no inverno ficaram lindas, floridas. Mesmo assim não deixo de acreditar em informações. Tenho uma amiga, botânica, que entende da ciência das plantas. Alertou-me a respeito da ixoria, disse-me que as vermelhas têm um poder arrazador sobre as outras cores. Foi só então que me dei contas de que havia plantado uma branca perto de uma vermelha e ela morreu. Depois foi a vez de uma cor-de-rosa que teve o mesmo destino. Com a amarela aconteceu a mesma coisa. Acredito que na vida também é assim. Há pessoas com energias mais fortes que anulam as mais fracas. Será que entre as plantas também existe inveja? Quem sabe? Que elas brigam pelo sol, eu sei que brigam. Já tive um mamoeiro que de tanto se esticar para alcançar o sol que ficava encoberto por um abacateiro, terminou morrendo magro e seco em cima do muro.
A cantoneira ao redor do pé de pitanga está uma beleza. Plantei ali uma florezinhas dengosas chamadas onze horas. O relógio delas é um pouco diferente do meu. Abrem, antes das dez. Mal dá meio-dia, voltam a dormir feito gente que dorme depois do almoço. As flores possuem seus mistérios e, graças a Deus, ninguém consegue mudá-los.Na entrada junto à parede tenho um pé de bonina. É outra plantinha dengosa, diferente. Enquanto as outras dormem ao meio-dia ela abre às três da tarde. Cheirosa que é uma beleza. Um perfume tão leve quanto suas pétalas macias. À noite, quando não chove ainda continua acordada. Deve amanhecer de ressaca.
As flores dos campos sobrevivem às intempéries.
Resistem a tudo. Já as do jardim quando abandonadas à própria sorte, murcham, emurchecem e morrem. Há uma grande diferença entre murchar e emurchecer. As que emurchecem, quando recebem água, adubo e carinho, logo se recuperam. As que murcham não tem água que dê jeito.
Gosto de lidar com a terra, de plantar e replantar. Reservei um lugarzinho na sombra onde instalei uma espécie de UTI para onde vão as recém-plantadas e algumas ameaçadas de morte. Faço tudo o que posso.
Desvelo-me em cuidados e carinhos. Fico triste quando tenho de substituir algumas. Não jogo nada fora, mesmo que seja um pequenino galho. Salvo-o dentro de outros jarros não importando se lá já exista outro inquilino. Geralmente se dão bem. É claro. Nem gente, nem bicho, nem planta gostam de viver sozinhos. Dificilmente encontramos uma palma de bananas ímpar. Elas nascem aos pares. A banana maçã tem até gêmeos. As pitangas e acerolas nascem em cachos. Nunca se viu uma uva sozinha pendurada num galho de parreira a não ser que a parreira esteja doente. É comum encontrarmos várias frutas com mais de uma semente ou caroço, como queiram. Os mamoeiros não dão frutos isolados. Os abacateiros, as mangueiras, dão cachos múltiplos. Gosto de observar os caprichos da natureza. Alguns, verdadeiramente me intrigam, como no caso de uma batata de lírio, de cor levemente salmão, que plantei e, para meu espanto, me presenteou com uma flor amarela. Só então me dei contas de que deveria ser influência da terra como ocorre com as hortênsias.
Quando o solo é alcalino as flores nascem cor-de-rosa e dependendo da intensidade podem nascer até brancas. Em solo ácido nascerão azuis. Talvez aí esteja a resposta para a troca de cor do meu pé de lírio. Esta idiossincrasia não é privilégio das hortênsias.
Tive uma amiga que quando queria acentuar o tom azul violeta da sua plantação de hortênsias, colocava na água pedaços de lá de aço. Com a água enferrujada regava as plantas. O resultado era excelente.
Não só observando as plantas aprendo a vida.
O comportamento dos animais me fascina. Crio uma cadelinha que, todos os dias, logo que abro a porta, vai para o quintal tomar banho de sol. Se demoro a abrir a porta da cozinha ela sai por dentro de casa em busca de uma réstia de sol sob as janelas e ali se deita. No quintal, se exercita perseguindo a sombra das borboletas, ou das folhas que caem. Qual de nós, com toda a racionalidade, cumpre um ritual assim, tão benéfico? Sequer nos lembramos de nos espreguiçar pela manhã. É, sem dúvida alguma uma forma de alongamento.
É necessário que os programas de rádio e televisão repitam, todos os dias, as mesmas recomendações – o homem precisa caminhar, o corpo é uma máquina que precisa de movimentos, que precisa de um bom combustível para ter uma vida longa e útil. No entanto, nos alimentamos de forma errada.
Empurramos para dentro da nossa pobre máquina qualquer bagulho bem temperado e cheiroso. Os animais têm limites para se alimentarem. Quando doentes não comem mesmo que lhes ofereçamos a alimentação de que mais gostem. As pessoas, não, mesmo doentes teimam em comer o que não podem.
O diabético come doce escondido pensa enganar a morte. Coisas de gente, coisas de racionais.

Obs: Imagem envada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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