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Comemoração e atualização dos ensinamentos da histórica encíclica do Papa Paulo VI “Populorum Progressio” é o que caracteriza, como sua motivação, a nova e terceira encíclica de Bento XVI, intitulada “Caritas in veritate”.

Em três pontos resume o órgão da Cidade do Vaticano “L´Osservatore Romano” o novo documento pontifício: “Em síntese, ele propõe que haja mais ética nas relações financeiras; um pouco de gratuidade como antídoto à lógica do lucro desenfreado e boa injeção de solidariedade nos mecanismos do mercado. Não se trata de receita milagrosa – esclarece o jornal vaticano – nem muito menos de pretensão dogmática da Igreja. O que transmite a encíclica é a convicção, baseada na razão dos fatos, de que a adesão sincera e comprometida aos valores do cristianismo é, não só útil, mas indispensável, para a construção da sociedade e o verdadeiro desenvolvimento integral do homem e da comunidade humana.”

O próprio Papa Bento XVI, no dia seguinte ao lançamento de sua encíclica, comentou que este documento da Igreja inspira-se, em sua visão fundamental, no texto da Carta de São Paulo aos Efésios “Praticando a verdade na caridade, cresceremos sob todos os aspectos na direção daquele, que é a Cabeça, Cristo” (4, 15). “A caridade na verdade, ensina o Papa, é a principal força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira. Só com a caridade, iluminada pela razão e pela fé, é possível alcançar objetivos de desenvolvimento dotados de valor humano e humanizante. A caridade na verdade – e aqui o pontífice cita sua própria encíclica – ‘é um princípio ao redor do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha força operativa em critérios orientadores’” (nº 6)

Esta encíclica de Bento XVI é um brado cristão contra a ganância desenfreada, o lucro acima de tudo, o lucro como fim em si mesmo, sem nenhum sentido social. É por isso mesmo, que o Papa põe o seu ensinamento sob o ângulo da caridade evangélica, do amor e do respeito ao nosso semelhante, que é nosso irmão.

O liberalismo do século XIX tinha como slogan a expressão francesa “laissez faire, laissez passer” (deixe fazer, deixe passar). Ele criou o sistema capitalista em sua versão financeiro-especulativa. O que está em crise, escrevia José Faro em novembro passado, na revista CIDADE NOVA, não são os bancos americanos, mas sim o próprio sistema capitalista em sua versão financeiro-especulativa. Um paradoxo dessa crise, continua ele, é que o estado tenha de intervir com centenas de bilhões de dólares para salvar a economia, justamente onde os grandes grupos econômicos e seus intelectuais sempre defendiam a liberdade absoluta para o mercado. No “L´Osservatore Romano”, um economista de Milão, Luigino Bruni, afirmava no ano passado que a raiz do atual colapso da economia está no fato de o capitalismo, assim como toda a economia de mercado, ter-se concentrado na produção cada vez maior de lucros e na consequente especulação financeira. É curioso lembrar que o primeiro banco da história, o Monte della Pietà, foi criado pelos franciscanos no século XIII, exatamente para libertar os pobres da especulação dos emprestadores de dinheiro. Como os bancos de hoje estão longe dessa origem! Em nossos dias, o Nobel da Paz Muhammad Yunus criou o Grameen Bank (Banco dos Pobres) exatamente para conceder empréstimos a pessoas de baixa renda, com juros modestos, resultando em inadimplência mínima. Ele diz: “Ajude-nos a levar o programa de nosso banco para as famílias mais pobres do mundo!” Os bancos e as financeiras continuam a ser instituições essenciais para o bem comum, para as pessoas e os empresários. Não funcionaria a agricultura, por exemplo, sem os empréstimos bancários.

E assim chegamos ao ensinamento fundamental da encíclica de Bento XVI: a destinação social da riqueza. Diz o Papa: “A vitória sobre o subdesenvolvimento exige a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de atividade econômica, caracterizadas por quotas de gratuidade e comunhão” (nº 39). Vejo aí explícita referência à economia de comunhão, que Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, proclamou em sua visita ao Brasil em 1991, e que é uma realidade no Polo Industrial Spartaco em Vargem Grande, S. Paulo, e em Pernambuco, no Pólo Empresarial Ginetta, em Igarassu e em muitos outros lugares ao redor do mundo.

Daí se vê, no exemplo indiano e no exemplo cristão, que, embora o Papa “não emita moeda” (como disse ironicamente certa revista de circulação nacional), os ensinamentos da encíclica podem transformar a atividade econômica em mola propulsora do desenvolvimento, superando a ganância do lucro.

´(*) É arcebispo emérito de Maceió.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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