agosto de 2009

1. O sentido das palavras, pelo cultivo intenso e intencional, se legitima e se naturaliza. Com isso, o sabor doce ou ácido, que um dia receberam, se torna normal e inquestionado. As pessoas, de tal forma, introjetam certos conteúdos que esquecem o que existe por detrás das palavras. Por isso, muita gente se acha educada por repetir, mecanicamente, palavras como obrigado, com licença, por favor… ensinadas pela imposição da cultura escravista. Enquanto em outras culturas se diz agradeço, dou graças… nós nos sentimos na obrigação de ajoelhar diante de vossa mercê (você) para significar que, humilhados, reconhecemos a inferioridade e subserviência. O próprio conceito inferior/superior usado para medir o valor (ou foi para inventar a competição?) foi assumido como óculos, parâmetro, prisma… pelos quais classificamos as pessoas e as coisas.

2. É comum, por ex., a mulher assumir-se como doméstica (amansada, dócil) que até virou profissão do lar para perpetuar o papel secundário e subalterno, pelo azar de ter nascido com anatomia feminina. O cabelo encarapinhado dos negros é sinônimo de cabelo ruim e que é preciso alisar como os louros (fazer chapinha). As pessoas idosas ganharam guichê preferencial de atendimento porque sua lentidão atrapalha o andamento das filas e dos negócios. O Nordeste, transformado pelos paulistas em região homogênea, seca, pobre e atrasada, que recebeu a sina de só servir como fornecedora de mão-de-obra, hoje, virou identidade. (Omite-se o fato de que a maioria dos pobres vive, no Sudeste e Sul do Brasil). A colônia nunca conseguiu que seu queijo, sua pimenta, sua laranja fossem do reino como eram os produtos vindos da metrópole a qual enriqueciam e obedeciam.

3. Uma atitude é vulgar (do povo) é considerada má; uma atitude nobre (da nobreza e o clero) é uma atitude louvável. Clima bom é quando faz sol e clima ruim quando chove porque é um estorvo à vida urbana e ao turismo. (Como ficam as crianças que tanto gostam da chuva?). Mas, nosso frio fica bonito quando se parece com o frio da Europa. Um acidente é descrito como sinistro (algo à esquerda). Aliás, escrever com a direita é o correto, tanto que quase não há carteira escolar para os canhotos. A juventude é vista como “aborrecente”, arrogante e rebelde porque ousa quebrar os padrões caducos e contestar a ordem estabelecida pelo grupo dominante (pais, professores, governos, patrões). O direito já não nasce da necessidade vital, mas da decisão de quem faz uma lei, às vezes imoral. Assim, se naturaliza a dominação que torna o legítimo em ilegal e subversivo e, portanto, uma contravenção passível de repressão.

4. As palavras guardam em seu corpo as marcas de sua história, de sua origem. Seus significados primeiros permanecem vivos, e suas raízes alimentam sempre o imaginário que dirige a evolução semântica. Desse modo, cada vez que se emprega uma palavra, junto ao que se pretende dizer, ressoam todos os seus sentidos, explícitos e implícitos, atuais e potenciais, insinuando, revelando e promovendo o enriquecimento conceitual da língua. Por isso, muitas palavras que deixam de refletir o contexto social e cultural, caem em desuso.

5. A palavra significa não só palavra, a palavra exterior vocalmente proferida, mas também a “palavra” interior, o conceito, a idéia, que corresponde à palavra exterior. O conceito, a palavra interior se forma no espírito de quem fala, tem sua origem na realidade e se exterioriza pela linguagem que constitui seu signo (representação) audível. A palavra é a realização especial da representação transmitida, é “aquilo pelo qual alguém chega a conhecer algo da outra pessoa”. O signo leva, pois, o sujeito a um conhecimento novo – a conhecer algo diferente do próprio signo. Há uma infinita variedade de signos: desde a fumaça, signo que indica o lugar e a intensidade do fogo, à bandeira branca da rendição.

6. A palavra também é um signo. O sinal próprio da palavra é a significação; não a significação qualquer, mas aquela que pressupõe um conceito, porque a palavra só se dá onde há conhecimento intelectual – é operação própria da inteligência. Entre a realidade designada pela linguagem e o som da palavra proferida há o conceito. Se a palavra sonora pode ser designada por um signo convencional (água pode chamar-se água, water, eau…), o conceito, pelo contrário, é um signo necessário da coisa designada: os conceitos se formam por adequação com a realidade.

7. Assim, toda palavra carrega um conteúdo, uma intenção. A palavra encarna uma verdade, é porta-voz de uma mensagem e defende um ponto vista. As palavras não ignoram – elas “sabem” o que querem, mesmo quando disfarçam, omitem ou mentem (inadequação entre o que diz e o que crê). Quanto mais dizemos estar “jogando conversa fora”, “apenas pensando alto”, “não queria dizer isso” e “não quero convencer ninguém”… mais afirmamos o caráter missionário de nossas falas. Em si, não há nenhum mal em apregoar idéias, pois, as palavras, incluindo aí as reticências, gestos… são a expressão do que acreditamos e é normal que a queiramos para todo mundo. Só pode ser condenável se a “justeza” dessa pregação se baseia na opressão e, se em vez de convencimento, usa a força e a manipulação. Será legítima se visa a VIDA e se dispõe a dialogar com outros esforços, no mesmo rumo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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