teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. (*)

Inflação dominada; liderança incontestável no continente; “investment grade”… Estes foram os “presentes” que a era Lula deu ao Brasil. O presidente circula “urbi et orbi” com sorriso feliz, recebendo elogios e louvações daqui e dali, inclusive do presidente Obama, que lhe disse: “He is the Guy” (Ele é o cara!).

Sucede que a globalização, entre outros efeitos, teve também o de acabar com as ilusões de que se pode ser feliz sozinho. Estamos aprendendo lentamente que um espirro dado na Ásia pode produzir gripes da proporção da suína em outras partes e confins do mundo. Sucede que houve a crise. E ela atingiu duramente os Estados Unidos, e isso não pode deixar de afetar o Brasil.

Os mais otimistas e desinformados tranqüilizaram-se quando Lula falou que o tsunami econômico chegaria a nós com a suavidade de uma ”marolinha”. No entanto, os mais conscientes e informados sabem que a recessão está batendo às nossas portas.

Considera-se que um país está em recessão quando por dois trimestres consecutivos o PIB (Produto Interno Bruto) – a soma de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região, durante um período determinado (mês, trimestre, ano) – declina. Isto posto, o Brasil corre o risco de entrar em recessão?

O presidente Lula e o ministro Guido Mantega afirmam peremptoriamente que não e podem não estar totalmente errados, dada a definição operacional de recessão. Mas que vai haver forte desaceleração da atividade econômica no País, isto só os otimistas ou tolos duvidam. Aliás, já está havendo.

O que vemos é que todas as instâncias e segmentos da economia brasileira se previnem, enquanto o governo se esforça desesperadamente para minimizar os efeitos sobre o consumo, baixando o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de bens, como os automóveis, cuja venda caíra assustadoramente no fim de 2008, os eletrodomésticos e outros.

O crédito ficou mais caro e mais escasso no Brasil. Os bancos jogam na retranca: estão mais exigentes e mais avessos ao risco. O desemprego é grande e os números são preocupantes para quem consegue fazer uma leitura mais além da obviedade ingênua.

Economistas brasileiros, como José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton (EUA), 53, há 31 vivendo nos Estados Unidos, acham que a recessão, no Brasil, é praticamente inevitável. Em suas declarações à Folha de São Paulo, Shceinkamn afirma: “Se tivesse que apostar, eu diria que a possibilidade de recessão aumentou muito”. Segundo ele, o Brasil já convivia com o problema na Argentina e com a desaceleração da economia no mundo. A crise gerada com os atentados terroristas nos EUA só agravou a situação.

Para Scheinkman, o que faz o Brasil ser mais vulnerável que outros países, como o México e o Chile, é o fato de ter uma taxa muito baixa de poupança doméstica. “Mesmo com números pífios de investimento, temos de importar muito capital”, diz. Só quando encontrar uma solução para esse problema, o Brasil poderá, a seu ver, iniciar um processo consistente de redução das taxas de juros.

Da descrição acima e da entrevista do economista, dois pontos deveriam constar de nossas reflexões, sobretudo de nossa estratégia de ação: o primeiro é mais sobriedade. Poupança interna é sinônimo de corte de gastos e prevenção e estoque de divisas, para tempos de vacas magras. Difícil imaginar o Brasil fazendo isso em pleno momento de escândalos no Congresso e com os festivais mensais de corrupção com que os políticos nos brindam. No entanto, parece ser uma das poucas medidas que abrem um caminho para escapar de anos muito difíceis. O segundo, é responder globalização de dificuldade com globalização de solidariedade. Tudo que somos e conseguimos está em estreita dependência dos outros, vizinhos ou distantes. A economia não existe mais de portas fechadas. As fronteiras foram eliminadas e o universo é plano, aldeia global profetizada por Mac Luhan, nos anos 1960. Portanto, a crise é um momento para pensar estratégias solidárias, onde se pense o conjunto e não fragmentos isolados, tratando de escapar cada um com a sua própria solução doméstica.

Acontece em nível macro o que sucede em nível micro. Ou nos salvamos em penca ou nos perdemos todos juntos. Somos seres relacionais e sem a relação perecemos. Tratar de escondê-la ou ignorá-la só apressará nosso caminho para a catástrofe. Não há soluções individuais. Globalizar a solidariedade, essa sim seria a tarefa das grandes potências quando se juntam. E não discutir como riscar continentes inteiros do mapa para poder aumentar seus imorais lucros e ganhos.

(*) Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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