Certa vez, um escorpião encontrou-se com um sapo à beira de um lago. “Caro sapo, você poderia me levar em suas costas à outra margem do lago?”, perguntou o escorpião. “Eu não sou idiota. Quando eu estiver no meio do lago, você com certeza irá me ferroar e eu morrerei segundos depois”, respondeu o sapo. “Claro que não”, disse o escorpião, “se eu te ferroar eu também morrerei afogado”. “Bom… isso é verdade”, refletiu o sapo, “está bem, você pode montar em minhas costas. Vamos juntos para o outro lado do lago!” Depois de nadar alguns minutos, o sapo sentiu uma ferroada em suas costas. “Maldito! Você me ferrou mesmo. Agora, nós dois estamos condenados à morte!” “Eu sei…”, respondeu o escorpião, “sinto muito, mas eu sou somente um escorpião… e escorpiões ferroam!”
A liberdade de escolha, porém, exige o trabalho, muitas vezes desagradável, de autocrítica e a coragem de assumir a responsabilidade de nossas posturas. Exercer a liberdade de escolha significa a despedida de um mundo infantil, no qual nos sentimos, de certa forma, protegidos por uma falsa segurança. Sem dúvida alguma torna-se muito mais cômodo e nos dá uma sensação de tranqüilidade se acreditamos que “a vida é assim”. Se adotamos esta “verdade”, o nosso único esforço é nos acostumarmos com as regras e estruturas que encontramos em nossa atual mentalidade social. Desta forma, nos sentimos seguros na comodidade de continuar a vida sem mudanças. O problema é que a vida não é assim, mas ela se encontra assim no momento. Se dermos uma olhadinha na história da humanidade constataremos que a mudança e a diversidade sempre fizeram parte da vida. Na verdade, a riqueza da vida está na diversidade e cada um de nós contribui realmente, na passagem por aqui, buscando sua autenticidade e respeitando a das outras pessoas. “Precisamos parecer um pouco com os outros para compreender os outros, mas precisamos ser um pouco diferente para amá-los” (Paul Géraldy). Outra forma cômoda de não tomarmos as rédeas de nossa existência é encontrarmos um ótimo “bode expiatório”. A vida, a natureza, Deus ou diabo sempre servem a este objetivo. Assim, preferimos nos consolar com clichês que escondem, na verdade, a nossa covardia: “eu nasci assim”, “a minha natureza é essa”, “meu temperamento”, “meu destino”, “minha cruz”, “Deus quis assim”… Frases de efeito muitas vezes nos transformam em escorpiões, nos fazem matar os sapos e no final morremos todos juntos. “Os homens amontoam os erros de sua vida e criam um monstro que chamam de destino” (Thomas Hobbes). Ser ou não ser vítima de sentimentos, emoções, da vida ou da natureza consiste, na verdade, em uma escolha humana. Dentre todas as “razões” para nossos problemas, o demônio bate o recorde. O que seria do ser humano se ele não tivesse um “anjo do mal” para jogar suas culpas, erros e fraquezas. É claro que Deus também não escapa das acusações de suas crianças. Seríamos mais justo com Ele se o compreendêssemos como Aquele que possui como único desejo a nossa realização pessoal. Afinal, o que mais desejaria um verdadeiro pai? No fundo, afirma Michel de Montaigne, não existe uma definição definitiva do que somos e como nos realizamos como pessoa. Assim, não existem receitas prontas para sermos humanos. Cada um é convidado a encontrar seu próprio caminho, no que consiste seu chamado para a vida. “O que você tem capacidade de fazer, tem capacidade também de não fazer” (Aristóteles), a escolha, na maioria das vezes, é sua.