Padre Beto 11 de agosto de 2009


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Um sitiante resolveu visitar o amigo que morava na capital. Ao se encontrarem na rodoviária, os dois se dirigiram para o ponto de ônibus. Este, porém, estava pronto para partir. O amigo da cidade gritou, então, para o sitiante: “Depressa nós temos que voar!” Carregando as malas, os dois amigos correram o mais rápido possível. O ônibus já estava em movimento, quando os dois, com muito esforço e um certo risco, se atiraram para o interior do veículo. Ofegante e cansado, o amigo da capital comentou: “Ah! Graças a Deus, nós ganhamos dez minutos!” O sitiante com voz bem calma perguntou: “E o que nós fazemos com estes dez minutos?”

Costuma-se dizer que a vida é uma escola. Se pensarmos bem, o viver pode ser realmente uma grande chance de aprendizagem. Esta, porém, pode ser desperdiçada dependendo da postura que possuímos como alunos da vida. A princípio, podemos alcançar um saber sobre nosso universo de duas formas: através de um simples acúmulo de informações sobre a realidade ou pela interação com a mesma. A primeira forma de conhecimento constitui-se em um tomar posse de impressões sobre a vida, geralmente impressões formadas por terceiros. Através deste tipo de aprendizagem assimilamos o que já foi pensado. A partir desta apropriação pode-se afirmar “eu tenho tal conhecimento”, “eu possuo determinada informação”. Já a segunda forma de saber surge de uma verdadeira relação com o universo e pode ser expressada por um “eu sei”, “eu conheço”, “eu compreendo”. Nesta, o saber começa com a quebra de uma visão ilusória da realidade, com uma “des-ilusão”. A caminhada para o saber se inicia com a saída da superficialidade e a aproximação das raízes e, portanto, a des-coberta das causas e das razões. Assim, aprender não se constitui em um acúmulo de informações, mas sim em um exercício de reflexão sobre a realidade. Neste sentido que Buda procura incentivar as pessoas ao despertar para a vida e os profetas do Antigo Testamento advertem para a ilusão dos ídolos, Jesus nos fala que a verdade nos libertará e mestre Eckhart diz que “o reconhecimento da realidade não exige um único pensamento, pelo contrário, ele dilui os pensamentos e nos separa deles, faz com que toquemos Deus na nudez de seu ser”. Na escola ou na faculdade, por exemplo, encontramos alunos que realmente “assistem” as aulas, procuram anotar, em seus mínimos detalhes, praticamente todo o conteúdo transmitido pelos professores. Porém, o conteúdo das aulas não se torna parte de suas vidas. As informações são conservadas no caderno e não são expandidas. O ensinamento é “salvo” como em um computador. Aluno e conhecimento permanecem, desta forma, fragmentados, distantes entre si. Para este tipo de estudante, o professor é alguém que deve transmitir o conhecimento de uma forma clara e didática de tal forma que não existam problemas na hora da prova. Sua grande irritação é o surgimento de novos aspectos sobre o conteúdo, pois o novo coloca em questionamento as informações por ele registradas. Existem, porém, os alunos que se relacionam com o conhecimento de uma forma mais dinâmica. Estes não se compreendem como tabula rasa e entendem a aula não como uma simples transmissão de informações, mas como um espaço para questionamentos e uma plataforma para sua busca individual de conhecimento. Este aluno não anota de forma passiva o conteúdo transmitido pelo professor. Ele não somente ouve com atenção, mas recebe as informações com uma postura produtiva.

Diante do conteúdo exposto, surgem questionamentos e perguntas, idéias e perspectivas novas. “Quem receia em perguntar tem vergonha em aprender” (Prov. Dinamarquês). Ele não assimila informações e as registra em seu caderno para mais tarde decorá-las e aprendê-las ao “pé da letra”, mas estas informações são por ele transformadas em suas reflexões. Diante de um conteúdo desinteressante e não provocador, este tipo de aluno se vê totalmente desmotivado para a aula. Ele nem sempre tira ótimas notas, mas é quase sempre o melhor preparado para a vida. Muito além do acúmulo de informações, o saber se constrói através de uma postura ativa diante da vida. Para o saber, o não-conhecimento é tão importante quanto o conhecimento, ele é parte do processo de aprendizagem. Afinal, “de cada vez sabemos mais…que não sabemos nada” (Eça de Queiroz). O não-conhecimento não é, aqui sinônimo de ignorância, muito pelo contrário é plataforma para o novo. “É impossível para um homem aprender aquilo que ele acha que já sabe” (Epíteto). Há pessoas que chegam ao final da vida e são eruditas, outras são sábias. Existem pessoas que podem conversar sobre tudo, outras sabem realmente viver.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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