O debate em torno da religião retorna, de tempos em tempos. Muitas vezes exposto à emotividade, dado que ele envolve sentimentalmente as pessoas. Tanto mais é preciso usar o bom senso e o discernimento.

Nestes dias este debate está se intensificando, em decorrência de alguns eventos. Seja a propósito do intento de um Promotor de proibir qualquer símbolo religioso em espaços públicos, seja a propósito da ratificação pelo Congresso Nacional do acordo celebrado entre o Brasil e a Santa Sé, seja sobretudo a propósito da veiculação de notícias de exploração financeira envolvendo uma igreja acusada de extorquir dinheiro de seus membros e aplicá-lo para enriquecimento pessoal.

Dada a complexidade do assunto, é bom invocar, de princípio, a prática de Cristo. Ele soube ser muito crítico diante de normas religiosas que careciam de sentido humano. Ao mesmo tempo, soube respeitar os gestos que traduziam a fé do povo, como a oferta da viúva no templo, ou o pedido insistente da mulher Cananéia para a cura de sua filha.

Mas, sobretudo, Jesus lidava com as multidões com muita responsabilidade. Com freqüência o evangelho observa que Jesus se detinha em “despedir as multidões”. Assim fazendo, com certeza queria preservar o povo dos perigos que rodeavam naquele tempo as manifestações de massa. E queria, a todo custo, manter sua atividade e sua pregação dentro dos objetivos de sua missão, não permitindo que fossem deturpados por equívocos inerentes a utopias que a religiosidade suscita facilmente.

Foi o caso, por exemplo, da multiplicação dos pães. Vendo que o povo queria proclamá-lo rei, Jesus foi rápido nas providências. Embarcou os discípulos, despediu as multidões, e subiu ao monte, para rezar e retemperar sua decisão de continuar coerente com sua missão.

A mesma prontidão de espírito deveria presidir a todos que lidam com a religiosidade do povo.

Pois a religiosidade, por sua força de motivação popular, se presta muito facilmente a explorações, sobretudo de ordem financeira. Basta conferir a escandalosa extorsão de dinheiro que é praticada por gente que invoca a condição de igreja para enganar o povo e mascarar seus objetivos.

Aí se põe uma questão muito séria por suas implicações, mas muito necessária para o bem comum. A atividade religiosa, como qualquer outra, em sua prática externa cai sob o domínio da ética. Toda ação humana precisa se guiar por critérios éticos. E tudo o que cai sob o domínio da ética, cai sob a responsabilidade do Estado, que tem o direito, e o dever, de urgir a coerência ética de qualquer atividade pública. A atividade econômica de qualquer igreja, como de qualquer indivíduo ou instituição, precisa se guiar pelas normas traçadas pelo poder público.

Por razões históricas, o Estado brasileiro se inibiu diante da religião. Desde a proclamação da República, ficou sem parâmetros para discernir o que é incumbência das religiões, e o que é atribuição do Estado. Diante deste embaraço estatal, com facilidade alguns colocam a máscara de igreja para praticar abusos condenáveis, que deveriam ser coibidos pelo Estado.

Uma das vantagens do “acordo” que finalmente o Estado brasileiro acaba de celebrar com a Santa Sé, e que precisa ainda ser referendado pelo Congresso Nacional, é de estabelecer ao menos alguns parâmetros que ajudam a situar campos de competências, preservar legítimas autonomias, e estimular o cumprimento das respectivas responsabilidades.

Pois é urgente recolocar a fé a serviço da vida, e não deixar que ela seja explorada para enriquecimento ilícito e outras falcatruas que o Estado precisa reprimir.

(*) (www.diocesedejales.org.br )

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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