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A menina entrou correndo em seu mundo particular. Suada e esbaforida sentou-se na calçada da igrejinha. À sua frente a serra enorme e bonita parecia sorrir, como a dizer: “sou serra, sou grande, mas, como tu, também sou criança.”
A menina sorriu brejeiramente. Só ela entendia os mistérios da serra, do sol, da terra morna e acolhedora, dos pássaros que cantavam para ela, enfim, seu mundo era somente seu.
De um pulo desceu as escadas da igrejinha, ganhou a rua, correu para o beco ali à sua frente, esgueirou-se pela várzea verde e fresca e desapareceu por entre as árvores. Tomou o caminho da serra.
Sentiu vontade de deitar no chão e abraçar aquela imensidão como se fora um ente muito querido como, por exemplo, sua avó. Deitou-se e ficou bem calma, quieta como um camaleão. Chegou a ficar da cor da terra e deveria ter ficado mesmo, pois quando chegava em casa a primeira coisa que sua mãe falava era: “parece que andou se espojando no chão, o vestido está que é terra só”.
Como era bom aquele cheirinho de mato verde esmagado, aquela terra macia deslizando por entre seus dedos, longe de tudo, dos ralhos da sua mãe, da gritaria dos irmãos, dos roncos que sinhá Maria que dormitava ao pé do fogão.
A menina adormeceu.
A mulher acordou. Olhou à sua volta com uma saudade danada. Sentou com dificuldade nos velhos degraus. À sua frente, com um aspecto bem diferente, a serra pequenina, parecendo velha e cansada. O que se passara com ela? Talvez o mesmo que se passara com a mulher que vira a criança crescer e aos poucos perder o viço da juventude.
O pensamento da mulher espalhou-se por toda a rua.
Olhou a serra e novamente ouviu os seus murmúrios, agora bem diferentes: “Como tu, também envelheci. Conheci outras meninas que por aqui passaram, tantos amores que aqui nasceram por entre os galhos das minhas árvores, no colchão macio da minha relva, no esconderijo gostoso das minhas pedras”.
A mulher procurou suas lembranças perdidas lá na várzea, no caminho da cachoeira nas ladeiras sinuosas da sua amada terra.
Lembrou, de repente da sua mãe. Viu seu corpo sendo velado no meio da sala. Olhos fechados, fisionomia serena. Quanta saudade, meu Deus, das rabugices e dos pitos que lhe passara.
Agora, ali sentada a mulher compreendia que não fora sua mãe quem morrera. Ela existia na imortalidade da sua saudade. Quem se sentia mora era ela pois quando sua mãe fechara os olhos para sempre, levara dentro deles a imagem da menina trelosa, traquinas e irriquieta.
A mulher soluçou silenciosamente. Quem agora, a consolaria das suas mágoas?
Obs: Texto retirado do livro da autora – A Magia da Serra –