Padre Beto 28 de julho de 2009


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No início do universo, Brahma, o grande Deus hindu, julgou os seres humanos indignos de possuírem o fogo divino, o fogo da criatividade. Porém, Brahma se confrontava com um problema: onde escondê-lo dos humanos? Assim, o conselho dos deuses foi consultado e depois de todos os membros discutirem muito, sugeriram que o fogo divino fosse escondido no fundo dos oceanos. Brahma considerou a proposta ruim, pois os humanos aprenderiam a mergulhar como os peixes e encontrariam o fogo. O conselho, então, sugeriu que o fogo fosse escondido no centro da Terra. Brahma se opôs novamente, alegando que os humanos criariam máquinas capazes de escavar a terra e teriam facilmente em mãos a chama divina. No mais alto dos céus, opinou finalmente o conselho. Brahma objetou a idéia, afinal, inteligentes como são, os seres humanos haveriam de criar meios para voar mais alto que os pássaros. Sem mais propostas, o conselho caiu em um profundo silêncio. “Eu sei qual o lugar onde dificilmente o fogo divino será procurado”, afirmou Brahma quebrando o ambiente tenso do conselho, “eu irei escondê-lo no coração de cada ser humano!”
O prazer de viver é realmente encontrado a partir do momento que nosso caminhar na existência possibilita a realização de nossas potencialidades, daquilo que há dentro de cada ser humano. Em outras palavras, a nossa satisfação de estar na existência consiste na realização de nosso ser. Apesar dos fatores externos que podem dificultar ou facilitar a realização pessoal, cada ser humano possui a capacidade em si próprio de intensificar seus momentos de felicidade, desde que encontre um estilo de vida, uma profissão, uma atividade, na qual ele possa dar forma ao que possui em potência. Justamente, em nosso interior encontra-se toda a criatividade que transforma o universo e nos preenche de satisfação. Uma das dificuldades que nós, homens e mulheres ocidentais, encontramos, consiste na mentalidade formada pelo modo de produção capitalista. Ao nascermos somos introduzidos em um determinado cosmos sócio-econômico e, automaticamente, levados a procurar nossa realização pessoal através de um determinado relacionamento de posse com aquilo que existe em nosso exterior. Segundo Erich Fromm, desde muito cedo assimilamos uma forma de relacionamento com nosso universo que passa a ser uma postura de vida durante toda a nossa existência. De uma forma inconsciente aprendemos a fazer uma relação direta do ser com o ter e para sermos felizes nos lançamos em uma constante busca do possuir. Através de diversos mecanismos somos convencidos de que quanto maior for nosso poder de compra e aquisição, maior será o nosso valor como pessoa. No mundo capitalista até mesmo a religião acaba reproduzindo teologicamente este tipo de mentalidade: quanto mais tenho, mais próximo estou da graça de Deus.

Assim faz-se necessário possuir bens, títulos, publicidade, relacionamentos e até mesmo pessoas. Esta mentalidade fundamentada na posse acaba se refletindo em nossa própria linguagem, com a substituição, cada vez mais freqüente, do verbo “ser” pelo “ter” acompanhado de seu respectivo pronome possessivo: Eu tenho amigos, esta é minha namorada, minha família, minha rua, minha cidade, meu bairro, meu país, meu mundo… Sem dúvida alguma, o desejo de possuir vem de nossa tendência natural à incorporação. Ao comer ou beber vamos in-corporando um pouco do mundo, ou seja, fazemos com que o universo torne-se parte de nosso corpo, de nosso ser. A mentalidade capitalista intensifica esta necessidade de incorporação tornando-a simbólica e mágica. No universo movido pelo capital adquirimos a crença de poder fazer com que coisas se tornem extensões de nosso ser. Assim, tudo no universo pode ser por nós introjetado, criando a ilusão de que ao tomar posse de coisas estou expandindo meu ser no mundo. O consumo, coração que movimenta o organismo capitalista, é uma atividade de incorporação por excelência. Nós somos à medida que consumimos. Juntamente com o ter, o consumo nos traz a idéia do poder de compra que nos leva ao prestígio e à atenção de todos. O consumo alcança sua extrema forma quando somos levados a “comprar” não somente bens, mas também pessoas e até mesmo Deus. O grande drama do homem capitalista é que a alegria de viver, o prazer de estar na vida não se encontra no fundo dos oceanos, nem no centro da Terra e muito menos no mais alto do céu. Como afirmou, certa vez, Thomas Fuller, “o contentamento é a pedra filosofal que tudo transforma em ouro”. Este contentamento, porém, possui muito mais relação com o sentido de nossa vida, do que com nossa conta bancária. “Todas as maravilhas que você precisa estão dentro de você” (Sir Thomas Browne).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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