No início do universo, Brahma, o grande Deus hindu, julgou os seres humanos indignos de possuírem o fogo divino, o fogo da criatividade. Porém, Brahma se confrontava com um problema: onde escondê-lo dos humanos? Assim, o conselho dos deuses foi consultado e depois de todos os membros discutirem muito, sugeriram que o fogo divino fosse escondido no fundo dos oceanos. Brahma considerou a proposta ruim, pois os humanos aprenderiam a mergulhar como os peixes e encontrariam o fogo. O conselho, então, sugeriu que o fogo fosse escondido no centro da Terra. Brahma se opôs novamente, alegando que os humanos criariam máquinas capazes de escavar a terra e teriam facilmente em mãos a chama divina. No mais alto dos céus, opinou finalmente o conselho. Brahma objetou a idéia, afinal, inteligentes como são, os seres humanos haveriam de criar meios para voar mais alto que os pássaros. Sem mais propostas, o conselho caiu em um profundo silêncio. “Eu sei qual o lugar onde dificilmente o fogo divino será procurado”, afirmou Brahma quebrando o ambiente tenso do conselho, “eu irei escondê-lo no coração de cada ser humano!”
Assim faz-se necessário possuir bens, títulos, publicidade, relacionamentos e até mesmo pessoas. Esta mentalidade fundamentada na posse acaba se refletindo em nossa própria linguagem, com a substituição, cada vez mais freqüente, do verbo “ser” pelo “ter” acompanhado de seu respectivo pronome possessivo: Eu tenho amigos, esta é minha namorada, minha família, minha rua, minha cidade, meu bairro, meu país, meu mundo… Sem dúvida alguma, o desejo de possuir vem de nossa tendência natural à incorporação. Ao comer ou beber vamos in-corporando um pouco do mundo, ou seja, fazemos com que o universo torne-se parte de nosso corpo, de nosso ser. A mentalidade capitalista intensifica esta necessidade de incorporação tornando-a simbólica e mágica. No universo movido pelo capital adquirimos a crença de poder fazer com que coisas se tornem extensões de nosso ser. Assim, tudo no universo pode ser por nós introjetado, criando a ilusão de que ao tomar posse de coisas estou expandindo meu ser no mundo. O consumo, coração que movimenta o organismo capitalista, é uma atividade de incorporação por excelência. Nós somos à medida que consumimos. Juntamente com o ter, o consumo nos traz a idéia do poder de compra que nos leva ao prestígio e à atenção de todos. O consumo alcança sua extrema forma quando somos levados a “comprar” não somente bens, mas também pessoas e até mesmo Deus. O grande drama do homem capitalista é que a alegria de viver, o prazer de estar na vida não se encontra no fundo dos oceanos, nem no centro da Terra e muito menos no mais alto do céu. Como afirmou, certa vez, Thomas Fuller, “o contentamento é a pedra filosofal que tudo transforma em ouro”. Este contentamento, porém, possui muito mais relação com o sentido de nossa vida, do que com nossa conta bancária. “Todas as maravilhas que você precisa estão dentro de você” (Sir Thomas Browne).