Djanira Silva 6 de julho de 2009


[email protected]
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/

Um amigo mandou-me uma fita cassete de velhas músicas da década, sei lá, de uma dessas aí pelas quais passei. A saudade não se fez de rogada, disse presente acompanhada das lembranças de um tempo, de um momento, de um dia, um ano, de mais de meio século. Mas, na verdade, a saudade que senti, foi de mim: das cantigas de roda, dos hinos cantados nas procissões, das valsas dançadas no tempo em que se dançavam valsa, dos grilos cantando atrás das portas, dos sapos coaxando na várzea, do meu coração batendo pelo primeiro amor..

Vejo a menina indócil e sapeca correndo pela casa, pelo quintal, plantando uma saudade em cada canto.
No quintal, a galinha pedrês ensina os pintinhos barulhentos e famintos a ciscar o chão em busca de alimento. Alguns mais afoitos escapam das vistas da mãe que faz um barulho danado para encontrá-los. De repente de dentro do mato vem um aviso sonoro uma poedeira acabara de botar um ovo e sai toda orgulhosa, cacarejando, espalhando a notícia. A menina segura um pintinho pelo pescoço, ele se debate agoniado para se livrar do carinho assassino.
Nas notas das velhas canções o tempo vai e volta. Um cheiro suave de Água de Colônia Regina envolve a menina-moça no seu vestido de listras coloridas. O sapato- pulseira denuncia que o cativeiro da infância ainda não terminou. Tem pressa, quer ser moça antes do tempo.
As marchinhas de carnaval possuem, paradoxalmente, a tristeza de um samba-canção. O barulho nas ruas as fitas douradas dos blocos, a alegria espontânea de uma juventude que talvez tenha sido a última a viver sem medo.
O primeiro vestido de baile de um azul monótono, monotonia quebrada por uma rosa vermelha presa ao decote.
E foi assim, na agonia de viver que a menina, sem saber do seu destino, inaugurou a adolescência.
Um amigo gravou a saudade numa fita-cassete.

Obs: Imagem enviada pela autora.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]