Encerra-se hoje, o ciclo das festas juninas, tão apreciadas e cultivadas pelos Nordestinos. Inicia-se com Santo Antônio, folcloricamente conhecido como o santo casamenteiro. Entretanto, essa crença só se sustenta do ponto de vista folclórico, pois, na verdade, Santo Antônio, que nasceu em Lisboa e morreu em Pádua, em 13 de junho do ano de 1231, era um grande pregador, cuja palavra inflamada pela chama do amor a Deus e pelo ardor missionário, era como uma espada afiada a penetrar nos ouvidos e na consciência de quem o ouvia pregar o Evangelho de Jesus Cristo. O culto e a devoção a Santo Antônio são difundidos em todo o mundo cristão ocidental, sendo que no Brasil esta devoção se espalha por muitas cidades, onde a piedade popular o elege como padroeiro, a exemplo da cidade de Barbalha, no interior do Ceará, onde a devoção ao seu padroeiro, Santo Antônio é tão antiga quanto a própria cidade.
Ali há uma grande festa anual, tendo como o ponto alto a cerimônia da busca, condução e levantamento do Pau da Bandeira, no primeiro dia da festa. O Pau da Bandeira é cortado de uma grande árvore da Serra do Araripe, uns quinze dias antes de ser trazido em cortejo desde a mata até o largo da igreja matriz, pelos homens da cidade e dos sítios próximos, que vão buscá-lo pela manhã, retornando à tarde, carregando-o nos ombros, pela rua principal da cidade. Ao chegar no largo da matriz, aquele imenso mastro é fincado no chão e elevado com a ajuda de cabos de aço e de troncos menores chamados tesouras, até ficar completamente erguido, tendo no topo a bandeira de Santo Antônio que tremula durante os treze dias da sua festa. É um espetáculo grandioso que atrai uma grande multidão para ver e acompanhar o cortejo do Pau da Bandeira.
Em Barbalha, a festa, apesar de ser popular, tem caráter acentuadamente religioso, havendo, diariamente traslado e procissão do santo, acompanhada de várias bandas cabaçais (zabumdas e pífanos artesanais), além da banda de música, desde a casa da família que o hospeda, até a igreja matriz, onde acontece a novena, todas as noites com grande afluência dos fiéis devotos. É, também, emocionante ver o andor de Santo Antônio, cuidadosamente enfeitado de lírios brancos, adentrando na igreja ao som dos inúmeros zabumbas, pífanos e da filarmônica executando o belo hino do padroeiro composto por uma musicista barbalhense. Além disso, diariamente, pela manhã, há a alvorada e à tarde a vesperal, com música dos zabumbas e da banda, percorrendo as ruas até o largo da igreja matriz, onde pipocam os foguetes em honra do padroeiro. Durante a festa, a cidade se transforma em um grande palco de festejos, tanto religiosos, quanto populares e culturais e assim a festa de Santo Antônio ultrapassou os limites de Barbalha e hoje é conhecida em toda a região Nordeste e até pelo Brasil afora.
No Nordeste, após a festa de Santo Antônio vem a festa de São João, o grande profeta, precursor, contemporâneo e parente de Jesus, de quem próprio Jesus falou: “Entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João Batista”. Este, por sua vez, referindo-se a Jesus, declarou não ser digno de desamarrar as suas sandálias, pois Jesus era o verdadeiro Messias, sem contar que João Batista também o batizou no rio Jordão.
Todavia, estas e outras citações bíblicas sobre o valor profético de João Batista, que atribuem o sentido religioso à sua festa, têm sido, através dos tempos, obscurecidas e até esquecidas, quando não ignoradas, em função da prioridade que é dada aos festejos profanos, os quais movimentam a economia, incrementando o turismo, a indústria fonográfica, o comércio, os serviços e demais setores econômicos da Região e tornando a festa de São João famosa em todo o Nordeste, desde o interior da Bahia até o Maranhão. Em Pernambuco a festa de São João manifesta-se com toda sua pujança e maior brilho, especialmente nas cidades de Caruaru e Campina Grande, onde chega a revalizar em importância turística com o próprio carnaval.
Dos festejos juninos merecem destaque especial as fogueiras, as quadrilhas, as comidas típicas e o forró, existentes em todos os recantos, nas cidades e no campo, da zona da mata ao sertão, podendo-se afirmar que o São João é a unanimidade nordestina.
Finalizando o ciclo junino, vem a festa de São Pedro e São Paulo, duas colunas mestras da Igreja, sendo o primeiro chamado Simão, um simples pescador a quem Jesusconferiu o vigor da pedra quando lhe disse: “Tu és pedra e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”. Pedro foi o apóstolo escolhido para ser o timoneiro, pescador de almas para formar a Igreja de Jesus Cristo. Foi grande como apóstolo e mártir.
O segundo nascido Saulo, era natural de Tarso, na Cilícia, cidade da Ásia Menor. Filho de judeus dos quais herdou a cidadania romana, intelectual formado na cultura grega, fariseu e poderoso, não foi apóstolo como Pedro e os outros, mas, tornou-se o grande apóstolo missionário que difundiu o cristianismo em todo o mundo civilizado de sua época, sob o domínio do Império Romano. Historicamente foi perseguidor implacável dos cristãos, a serviço da dominação romana. Sua conversão aconteceu quando em viagem para Damasco a fim de perseguir os cristãos da Síria, foi atingido por uma intensa luz que o fez cair por terra e ouvir uma voz que o interpelou: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Perplexo e amedrontado, perguntou quem era, ao que Jesus lhe respondeu: “Eu sou Jesus a quem persegues”. Esse episódio transformou sua vida e o fez passar de perseguidor a missionário fervoroso, incansável e apaixonado pela palavra de Deus revelada em Jesus Cristo, por quem deu sua vida a serviço do Evangelho.
Também, como Pedro foi martirizado e o sangue desses dois grandes pilares da Igreja, fecundou o mundo, difundindo a Igreja de Cristo por toda a terra. Todavia, esse fundamento religioso perdeu completamente o sentido diante do materialismo que passou a dominar todas essas importantes festas da Igreja, transformando-as em simples demonstrações culturais e folclóricas, atrações para o comércio e a indústria do turismo.
Estas considerações são apenas o preâmbulo de outro relevante aspecto, que, tal como o sentido religioso, também não é levado na devida consideração, tanto pelas autoridades constituídas, quanto pelos próprios cristãos. Refiro-me à depredação da Mata Atlântica, a qual, todos os anos sofre com a morte de suas árvores para serem queimadas em fogueiras ou transformadas em mastros de bandeiras dos santos padroeiros, em nome de uma tradição sustentada por rentável, porém destrutivo comércio. Basta ver como no interior, as fogueiras estão cada vez maiores e mais elaboradas, muitas atingindo vários metros de altura, formadas por troncos grossos e pesados, cortados por afiadas moto-serras. Assim, não podemos ignorar que grandes ou pequenas todas tem a mesma origem, qual seja, a Mata Atlântica de onde são ceifadas centenas e milhares de árvores para as fogueiras de São João e posteriormente as de São Pedro, significando tal derrubada incontrolável e desordenada de árvores, um verdadeiro crime ecológico.
Destarte, em que pese a beleza e animação das festas juninas, esse aspecto extremamente negativo e comum a todas elas, não pode ser ignorado, em face dos prejuízos que acarreta à natureza e à própria vida da Mata Atlântica que, originalmente se estendia por todo o litoral brasileiro, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, ocupando uma área de um milhão e trezentos mil quilômetros quadrados, sendo a segunda maior floresta tropical úmida do Brasil, superada apenas pela Floresta Amazônica. Lamentavelmente, daquela preciosidade natural restam apenas cinco por cento de sua extensão original, sendo que em alguns lugares como no Rio Grande do Norte, não existe sequer vestígios da Mata Atlântica, o que significa uma constatação dessa triste realidade.
Na verdade, a depredação da Mata Atlântica vem ocorrendo desde a colonização. Inicialmente, através da exploração do pau-brasil que era levado para Portugal e depois até a era atual, a devastação continua em função da expansão populacional das cidades e da conseqüente derrubada da floresta para exploração agrícola e pecuária e industrial. Assim é que, em Pernambuco, a Mata Atlântica deu lugar à cana de açúcar e o que antes era um paraíso tropical, virou uma vastidão linear e monótona de canaviais.
Também, em face das imposições econômicas, a redução da floresta foi se tornando uma triste realidade, da qual as árvores ainda existentes, são os resquícios da Mata Atlântica que deveria ser preservada a qualquer custo, proibindo-se por meio de uma severa e contínua fiscalização do IBAMA, órgão responsável pelo meio ambiente e pelos recursos ambientais, o corte desenfreado das espécies remanescentes, a fim de evitar a total extinção desse precioso patrimônio natural.
Por isso, não se justifica que todos os anos, o que ainda resta da Mata Atlântica sofra essa irresponsável depredação, em função de uma cultura alienada e destrutiva, qual seja esta de cortar milhares de árvores para transformá-las em fogueiras, alimentando um comércio ilegal e clandestino, provocando a destruição do meio ambiente e aumentando a poluição atmosférica com suas conseqüências desastrosas à camada de ozônio.
Urge, portanto, evitar-se o crime ecológico que está sendo perpetrado contra a Mata Atlântica, pois em cada fogueira é destruída parte da vida vegetal que levou séculos para se tornar uma árvore alta, forte e bela a recobrir a terra, oferecendo-lhe oxigênio, dando frutos, sombra e abrigo aos pássaros, aos animais e ao seu próprio carrasco, o homem. Este, a troco de dinheiro abate impiedosamente as árvores a fim de alimentar um costume medieval, obsoleto, que não passa de simples manifestação folclórica, destituída de sentido que justifique tamanha barbárie contra a natureza.
Assim, nas noites juninas, as fagulha que saltam das fogueiras em chamas, sejam como lágrimas das filhas árvores, chorando o transe de sua mãe, a Mata Atlântica; e sirvam para iluminar e despertar as consciências para lutarem contra essa terrível depredação anual do que sobrou da imensa floresta.
Viva Santo Antônio! Viva São João! Viva São Pedro e São Paulo! Salvemos a Mata Atlântica!
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