Abril, 2009.

Como de costume, nas férias, fui fazer o exame anual da vista. Para garantir pelo menos uma comparação, marquei dois renomados e recomendados oftalmologistas (para, então, comprar os óculos – oculista é ante-sala de ótica). Uma paciente no consultório, ao me ver rouco, perguntou se era resfriado, pois, conhecia um especialista…

Fazia algum tempo, a rouquidão estava vindo com muita facilidade. Desconfiava do intenso uso ou do mau uso da voz, choque térmico… Diante disso, tive que marcar e esperar a consulta com o clínico geral me recomendou ir ao otorrinolaringologista. Aí começou a via-sacra.

Para mostrar independência, busquei no caderno do convênio particular, um nome que inspirasse confiança. Optei por um nome oriental. No dia marcado, mesmo agendado, amarguei a imensa fila de espera, até ser atendido. O velho médico, com uma rápida olhada, no interior da boca, logo me encaminhou para outro, especialista em videolaringoscopia.

Segui o ritual – busca de vaga, espera longa e até um simpático atendimento, no final da tarde. DVD providenciado e ajustado no gravador, ele fez o filme da minha garganta. A tarefa seguinte foi acertar uma data para o retorno ao otorrino. Depois, da espera com hora marcada, sem sequer olhar o DVD que ele mesmo havia pedido, me encaminhou para uma fonoaudióloga.

A visita marcada com a fono (agora, sou chic, já digo a minha fono!) foi para me dizer que eu deveria, primeiro, ir ao plano de saúde e pedir uma autorização, mediante a qual ela atenderia. Como um carneiro, tomei o costumeiro chá-de-cadeira para no final ser informado que a autorização não seria mais necessária.

Ela parecia experimentada e marcou cinco sessões de meia hora. Depois disso, o plano não cobriria, mas… para clientes antigos ela faria um desconto, por cada sessão além do permitido. No decorrer das sessões, ela percebeu que o problema, além do abuso da voz, possíveis excesso de lactose… era um problema de postura. Ela tinha uma amiga que era craque em RPG.

Como eu também tinha uma amiga que fazia RPG, fiz uma preferência profissional-afetiva. Cobrou a metade do previsto em cada sessão, mas não fazia convênio com planos de saúde porque custavam a pagar e era uma mixaria. O plano de saúde que eu rebolava para pagar porque o SUS é ótimo, no papel, mas não funciona, poderia me atender, mas… o setor ainda estava em fase de estruturação.
A fisioterapeuta percebeu sinais de que algo não ia bem com meu fígado. Lá fui eu para uma entendida em empato… que lendo o diagnóstico do otorrino sobre um possível edema nas cordas vocais, exigiu uma endoscopia. E, lá vai eu, de jejum para um desmaio provocado, para permitir uma fotografia do estômago, por dentro.

Eu que só queria atualizar os óculos, para ajudar na presbiopia, percorri inúmeros consultórios, realizei uma dezena de exames, gastei incontáveis horas de espera, exercitei quase a minha cota de paciência. No final, não tinha nada grave, nem dinheiro prá comprar os óculos e continuo rouco. Não sei se aprendi muito, mas consegui fazer algumas interrogações.

1. Por que obrigam a gente a pagar o SUS se todo mundo sabe que ele não funciona quando a gente precisa.
2. Quanto duraria esse recorrido se a pessoa não pagasse um plano de saúde… em um caso grave, teria o enterro…
3. Por que a gente sempre perde – se atrasa perde a vez, se é pontual espera; para ficar bom tem que arriscar o emprego.
4. Os consultórios não querem saber se você tem tempo, se tem família, se tem dinheiro… a culpa será sempre sua.
5. Se os órgãos do corpo humano estão intrinsecamente integrados por que os serviços médicos se repartem tanto?
6. Aliás, por que um médico não pergunta o que o “especialista” anterior achou e age como se sua parte fosse autônoma?
7. Ficou quase certeza que não é o paciente que precisa do médico; é o sacerdócio do médico que não vive sem doentes.

Não se pode esperar que as pessoas se movam só por ideais, especialmente quando juram que fazem. É justo todo profissional recebe uma recompensa por seus serviços. O difícil de aceitar que muitos médicos façam do serviço à vida, a indústria da doença: indicam amigos, adivinham diagnósticos, prescrevem drogas de certos laboratórios… que, em um ciclo sem fim, vai exigir novos especialistas e novos remédios.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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