semana do índio, 2009

Sou uma indígena da Amazônia e não aceito que me tratem como diferente…
Pertenço a um povo bem humano que vivia livre e feliz nessa parte do planeta.
Essa vida nos foi arrancada, brutalmente, quando uma gente cheia de roupas, de moral e com olhos cheios de desejos, aqui chegou com a cruz e a espada.
Como resposta ao nosso acolhimento fraterno, os ditos descobridores tentaram nos escravizar, roubar nossas matas e rios… E, não contentes em matar nossos corpos, quiseram também matar nossa alma…

Em nome de um deus imperial, nos fizeram obedecer a uma ordem que exigia o abandono de nossa língua, de nossa cultura, de nossas tradições e de nossos deuses amigos. E, para manter sua invasão, usaram o catecismo, a escola e toda forma de violência física, moral, psicológica…

Ao buscar convencer a si mesmos e a sociedade, apregoaram aos quatro ventos, inclusive nós, que nesta terra das palmeiras, o povo era SELVAGEM, MALVADO, ATRASADO E PAGÃO.

Resistimos o quanto pudemos para continuar livres e comunitários. Lutamos para mostrar que essa terra tinha dono. Mas, nossas flechas não tinham o poder de fogo dos canhões dos caraíbas que vieram para nos trazer a salvação e a civilização.

Houve casos, como o das mulheres Tapajós, que pegaram em armas para substituir os guerreiros massacrados. Por isso, nosso rio-mar, manchado de sangue, ficou eternizado como o Rio das Amazonas. É uma testemunha que a maioria preferiu o martírio a abrir mão de suas convicções.

(Alguns escritores contam que alguns dos nossos se converteram e passaram para o lado dos exploradores e traíram seu povo. Talvez, por isso, constam como heróis nos livros usados, nas escolas oficiais).

Quem sobrou do genocídio, se refugiou nos grotões. Outros, para sobreviver, se abrigaram como frangos de granja, em redutos dirigidos por bem intencionados missionários. Junto com a minoria que foi amansada, em reservas, essa parte paga o alto preço, de vagar pela vida sem sentido, em um espaço onde não é nem índia, nem branca.

São tidos como alguém MENOR, TUTELADA, sem memória, SEM PRODUÇÃO… que serve como objeto de caridade, de folclore e de estudo…
Através e apesar de tudo que aconteceu nesses 500 anos, a brasa de nossa dignidade nunca se entregou por dentro. Como fogo de monturo, ressurge, de novo e continua a desafiar os donos do mundo.
Com nossa teimosia e a contribuição solidária de pessoas que nos olham como gente, nos firmamos como sujeitos históricos que tem uma contribuição para o conjunto da sociedade.

Como já não é possível negar nossa existência, nem é politicamente correto discriminar os povos indígenas, o sistema dominante nos cerca de elogios. Até falam de direito indígena, como se o direito não fosse sempre uma conquista constante.

É preciso vigiar porque o “inimigo não manda flores…” Antes nos consideravam incapazes; agora, viramos até ecológicos, conhecedores dos mistérios das plantas. Agora somos o OUTRO com o qual se deve dialogar, o DIFERENTE que pode somar… Parece a linguagem da bajulação para uma nova forma de dominação.

Uma forma de domesticar a rebeldia é incluir essa rebeldia na lógica dominante. É convencer os 210 povos do território brasileiro a aceitar a cerca das novas capitanias hereditárias.

Por isso, falar em respeito à cultura, prometer ‘cidadania’, demarca territórios sem autonomia é como mandar um animal andar… e, segurar as rédeas.
Dizer que sou DIFERENTE pode ser apenas a repetição do racismo, da discriminação, do preconceito, da arrogância de um MODELO que se apresenta como o padrão; serve para dizer que sou alguém INFERIOR que deve curvar-se e servir a alguém, de cima e de fora, que é SUPERIOR. Eu não sou mais, nem menos; SOU ÚNIICA: “outra que nem que eu, só eu” – esse é meu ser, minha grandeza, meus limites e minha contribuição irrepetida e insubstituível. Pronta para unir-se a tantas outras que também são únicas.

 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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