E A EXPOSIÇÃO DE CARYBÉ

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O MAM organizou uma exposição, que é, na verdade, uma retrospectiva da vida e obra de Carybé. A programação inclui, alem da belíssima exposição montada com grande categoria no Solar do Unhão (ocupando os dois pisos), uma Rota Carybé, com guias especializados que vão iluminando o mapa de Salvador através das obras do artista. Quantos de nós já passaram diante daqueles murais e esculturas, sem se aperceber da mão do famoso artista embelezando entradas de edifícios residenciais, comerciais, de bancos, praças públicas. Depois dessa descoberta, o olhar se transforma para captar mais e melhor as belezas de que a cidade está revestida. Levei meus alunos da Uneb, integrantes dos cursos de Pedagogia ( Processos civilizatórios e pluralidade cultural), de Fiosioterapia e de Extensão ( Contribuição e legado afro à história e cultura brasileira) para participarem dessa Rota. E foi um sucesso. O Museu disponibilizou um serviço de vans que transportam os estudantes, e com o guia, vai se detendo em cada obra/monumento relacionado com Carybé. No próprio Solar do Unhão há um painel em concreto localizado no Parque das Esculturas, além do gradil com todos os elementos da natureza e símbolos afros. No Hotel da Bahia há o grandioso painel que conta a história do Brasil através da Bahia. No edifício Campo Grande há o painel dos Dois Índios. A Praça da Piedade e a do Campo Grande são marcadas pela presença do gradil com pássaros, frutas, sobretudo o caju tão apreciado por ele. Na Fundação Casa de Jorge amado há uma homenagem às três raças.No Comércio, de forma inusitada, encontramos no Edifício Cidade de Ilhéus os índios astecas, um com o cachimbo da paz e o outro com o cacau e suas sementes. Na Rua Chile, no edifício de esquina, deparamo-nos com um grandioso painel. No livro-guia da exposição há uma foto de Carybé no meio desse painel, ainda por terra e emoldurado por uma palavra dele:”Sou um operário do pincel e trabalho uma média de quatro horas por dia e não me desligo.É um trabalho que continua na cabeça, de noite. (…)O que existe é trabalho, treino, porque, se você pára de trabalhar, esquece, perde a prática”. Na praça do Iguatemi encontramos a famosa escultura que é uma homenagem à Mãe Baiana. Atentemos para um detalhe : ela não tem braços, mas o filho tem e dirigidos para ela – conclusão: os braços do filho se confundem com os da mãe. Na Assembléia Legislativa, como boas-vindas, está o grande painel, com as velas do descobrimento, as três raças e elementos que caracterizam a colonização: a pecuária, as plantações, se faltar as figuras de Diogo Álvares, Paraguaçu e Tomé de Souza.

Mas a obra de Carybé é perpassada por uma tônica religiosa. Ele tão bem captou o espírito da religiosidade que impregna a Bahia. Em 1957 é naturalizado brasileiro e no mesmo ano já é confirmado Obá de Xangô do Terreiro Ilê Axê Opô Afonjá. Essa tônica marcou sua obra aqui e fora do país. Em 1983, inaugurou a mostra Iconografia dos “Deuses Africanos no Candomblé da Bahia”, no The Caribean Cultural Center em Nova York. Na Cidade do México, faz a exposição “Semblanza de Dioses y Ritos Afrobrasilenos”, em 1984. Em 1985 ilustra o livro de Pierre Verger, “Lendas Africanas dos Orixás”. Em 1990,expõe os originais do livro Iconografia dos “Deuses Africanos no Candomblé da Bahia”, na Casa da França – Brasil, no Rio de Janeiro.

Quantos já foram ao Teatro Castro Alves e olharam sem comungar com o grande painel Fundação da Cidade do Salvador, de 1978, marcado por uma técnica mista,isto é, há madeira, cerâmica, metal, pedra. E no centro de tudo há o grande painel da 1ª Missa no Brasil. Todos estamos habituados com a tradicional 1ª Missa de Vitor Meireles (1831-1902).É curioso que Meireles para pintar a histórica Batalha dos Guararapes, foi até Pernambuco para sentir e vivenciar o clima geográfico e emocional do que fora aquele momento. Mas a sua 1ª Missa, bela e clássica, ele a faz inspirado em Pero Vaz de Caminha e a expõe no Salão de 1861 em Paris. Mas na de Carybé, há uma convergência das raças, não apenas o espanto dos índios, mas um sentido do “in loco”. Chama a atenção a colocação de um cálice de verdade, isto é, de metal, nas mãos do celebrante, na hora da elevação.

Uma dos principais objetivos da exposição foi alcançado: o de aproximar o público do artista, que não se limita aos espaços dos museus e galerias, mas avança sobre o espaço urbano, como registros da memória de um povo.


Sebastião Heber Vieira Costa. Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, Cairu, Faculdade 2 de Julho. Membro da Academia Mater Salvatoris , do IGHB e do Instituto Genealógico da BA.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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