Há quem pense que o caminho para a unidade das Igrejas cristãs seja importante apenas internamente para as Igrejas, mas, para o mundo leigo e secular, tem pouca relevância. Não é verdade. Se as Igrejas tivessem conseguido se unir nos Estados Unidos, na época em que o presidente Bush invocava a Bíblia para invadir o Iraque, elas teriam impedido a guerra ou, ao menos, evitado uma mistificação que tornava o conflito por petróleo e poder uma guerra santa. Se, no mundo, as Igrejas tivessem se unido na defesa da Terra e da Água, provavelmente, não teríamos a grave crise ecológica que vivemos. A Semana de Orações pela Unidade dos Cristãos que ocorre cada ano nos dias anteriores à festa de Pentecostes (na próxima semana, de 24 a 29 deste mês) tem em vista unir as Igrejas no serviço solidário e amoroso à humanidade e ao planeta. É promovida internacionalmente pelo Conselho Mundial de Igrejas que tem sede em Genebra e reúne em uma associação fraterna descentralizada 349 Igrejas. No Brasil, é coordenada pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), com apoio da Igreja Católica e de outras sete Igrejas cristãs.
Neste ano, a Semana da Unidade tem como tema um versículo do profeta Ezequiel: “Unidos na tua mão” (Ez 37, 17). O texto bíblico, escrito cinco séculos antes de Cristo, se refere ao projeto divino de unir as tribos de Israel, mesmo diversas e autônomas, na unidade de uma só nação, após a dominação babilônica. O Israel que parecia um depósito de ossos secos, ao receber o Espírito, retomaria a vida e a unidade de um corpo vivo com muitos membros, cada uma com sua função, mas na unidade de um só organismo. Hoje, resta a compreensão que, em Deus, as diferenças entre nós não significam divisões. A diversidade pode ser fonte de enriquecimento para todos, desde que cada comunidade se ponha na mão do mistério maior do amor e se disponha a servir à vida da humanidade e de todos os seres vivos.
Atualmente, o Cristianismo continua dividido entre Oriente e Ocidente. A divisão entre as Igrejas é antiga. No ano 450, já houve uma ruptura entre as Igrejas que aceitaram as decisões do Concílio de Calcedônia e outras que permaneceram pré-calcedonianas. Em 1054, a ruptura entre Igrejas Orientais e a Igreja Latina se tornou oficial. Foi uma ruptura causada por incapacidades mútuas de aceitar as diferenças culturais entre orientais e ocidentais, mas principalmente, por lutas e ambições de poder eclesiástico e político. Infelizmente, isso se deu em nome de Jesus que sempre alertou os discípulos contra a idolatria do poder e pediu que fossem servidores uns dos outros. No próprio Ocidente, as divisões políticas e a decadência do Cristianismo dominado por reis e príncipes levaram às divisões da Reforma protestante (1517), com uma purificação necessária da fé, mas muitos sofrimentos e intolerâncias que se prolongam até hoje. O século XX viu nascer ainda os movimentos e Igrejas pentecostais. Atualmente, o fenômeno que se convencionou chamar de neo-pentecostalismo invade todas as Igrejas, mesmo a Igreja Católica, seus shows missas e seus cantores pop.
Ninguém propõe entre as Igrejas uma unidade centralizada de estrutura ou de organização. A diversidade é um bem. Conforme o Novo Testamento, Igreja deve sempre ser comunidade local e tem direito a ter seu rosto próprio, sua cultura e sua autonomia. O que queremos é merecer o título que aparece em uma carta atribuída a São João: “Igrejas irmãs”.
Sonhamos com o diálogo e a colaboração amorosa entre as Igrejas e também em relação às religiões não cristãs para aprendermos umas com as outras e, juntas, cada qual com sua autonomia e sua forma própria de crer, colaborar pela Paz, Justiça e defesa da vida no planeta.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor. www.empaz.org/