Conhecer a Bahia é sempre um desafio porque é um estado imenso que congrega muitas Bahias. Estive, recentemente, em Caetité, convidado por amigos, Dagoberto Santos Pereira e sua esposa Eulina. Ele é pastor da Igreja Presbiteriana Unida daquela cidade. Com eles pude conhecer também Brumado, Guanambi e o Santuário de Bom Jesus da Lapa. Fiquei surpreso de ver um sertão tão verde, por conta das recentes chuvas. Em Caetité, conforme informação, em julho, a temperatura desce até quatro graus. Mas eles me disseram que nem sempre é assim – “agora é inverno”.
A Igreja Presbiteriana em Caetité está se preparando para as festas do centenário que serão celebradas em 02/11/2011. No longínquo 1911, o Pastor Henry Mc Call, com sua esposa Dona Margarida, foram os missionários que deram início ao movimento evangélico naquela cidade. Mas o Pastor Mc Call teve a honestidade de escrever nas crônicas, que sua presença foi precedida pelos Batistas, mas que essa missão não foi avante. As crônicas conservam todos os passos da presença evangélica relatando detalhes que escapam das atuais gerações. Como os tempos eram outros, o 1° bispo Diocesano, D. Manoel Raimundo Melo, não procurou uma relação amistosa com esse novo grupo religioso. Mas a verdade é que os presbiterianos gozavam de uma simpatia na cidade, a ponto do único jornal da época, A Pena, sob o comando da Maçonaria, ter tecido grandes elogios ao novo grupo religioso. O Bispo não gostou e excomungou não apenas o jornal mas os lares nos quais aquele jornal fosse lido, ao que a população reagiu. Isso provocou uma revolta na cidade. Para acalmar os ânimos, Dr. Diocleciano Teixeira, pai daquele que seria o célebre Anísio Teixeira, foi de porta em porta para pedir paz, e a população aquiesceu.
Impressionou-me o santuário de Bom Jesus da Lapa. Não é ainda tempo de romaria – elas são realizadas em agosto e setembro – por isso, calmamente pude ver cada setor do Santuário-Gruta, indo das duas grandes naves até o salão dos ex-votos.
O centro da origem desse santuário gira em torno de Francisco Mendonça Mar, um português nascido em Lisboa em 1657. Filho de família católica, o pai era ourives de profissão e trabalhava com pedras preciosas. O filho seguiu a profissão do pai além de ser também pintor. Com 22 anos chegou a Salvador, isto é, em 1679, onde, com seus escravos, começou a trabalhar na sua arte. Logo ficou encarregado de pintar o Palácio dos Governadores. Mas houve dissabores que o levaram a ser preso. Depois teve chance de ouvir, em 1689, a pregação de Vieira, e tocado por aquela palavra quis mudar de gênero de vida, vendendo seus bens, concedendo a liberdade a seus escravos, e enveredou por uma vida de peregrino. Levando uma cruz e uma imagem de Nossa Senhora da Soledade, entrou sertão a dentro, percorrendo uns 1.200 km, na busca de um lugar ideal para se recolher. Em 1691 descobriu a gruta que deu origem ao famoso Santuário. Ali, às margens do rio S. Francisco, procurou viver uma vida de oração e solidão imitando os eremitas do antigo Egito. Mas logo o povo descobriu a presença do “ermitão da gruta” e muitos vinham com ele se aconselhar. Essa foi a semente das futuras romarias que aconteceriam naquele lugar logo considerado santo. A fama do ermitão se espalhou e chegou aos ouvidos do Bispo da Bahia, o famoso D. Sebastião Monteiro da Vide, célebre por conta das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Depois de sondar “se aquilo era coisa de Deus”, em 1702 mandou chamá-lo para fazer o curso de teologia em Salvador e já em 1705 foi ordenado padre e mandado de volta para desenvolver aquela missão. A partir desse fato, ele passou a chamar-se de Padre Francisco da Soledade. Lá desenvolveu intensa atividade recebendo os constantes peregrinos, vindo a falecer pelos anos de 1722, e sendo sepultado lá na mesma gruta que descobriu.
É para ressaltar a visão aberta de D. Sebastião para aquela época, pois há sempre um choque “natural” entre os “administradores oficiais do sagrado”, para usar a expressão do professor Eduardo Hoornaert, e o surgimento de lideranças populares. Há sempre desconfiança, é como se o poder religioso fugisse das mãos da autoridade por conta de iniciativas não oficiais e/ou “não canônicas”. Os exemplos que ilustram esse contexto são inúmeros: desde o Conselheiro de Canudos, passando pelo Padrinho Pedro Batista, de Santa Brígida, isto é, pesa uma inquietude sobre aqueles que não detêm um “carisma oficial” (o que seria contraditório).
De qualquer forma, graças à presença de Francisco da Soledade e da compreensão de D. Sebastião Monteiro da Vide, a Gruta de Bom Jesus da Lapa se tornou o “Altar do Sertão” baiano.
Sebastião Heber Vieira Costa . Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB , da Academia Mater Salvatoris e do Instituto Genealógico da Bahia.