Este assunto merece atenção especial. Fica melhor abordá-lo enquanto ainda não é em causa própria.
Na verdade, está em causa uma situação eclesial de crescentes proporções. Só no Brasil, já são 130 os bispos eméritos, assim identificados porque já deixaram o governo de suas dioceses, por terem atingido 75 anos, idade estabelecida pelo Concílio para que o bispo apresente sua renúncia, ficando ao critério da autoridade eclesiástica o momento de efetivar a demissão.
Se pensamos em países com média de idade superior à existente no Brasil, como a Europa, nos damos conta da dimensão mundial desta causa. São centenas de bispos que já deixaram o governo de suas dioceses, e se encontram nesta situação, indefinida por diversos motivos. Pois se a lei é clara para indicar o momento de apresentar a renúncia, não é nada clara ao definir a nova situação do “bispo emérito”, quando ele chega numa idade em que pela própria natureza as circunstâncias costumam ser muito diferenciadas, dependendo sobretudo do estado de saúde das pessoas.
Diante disto, uma primeira constatação emerge com evidência. Certamente não era este o panorama existente quando a lei foi proposta, cinqüenta anos atrás. A demografia é muito clara ao apresentar o sensível aumento da média de vida nestes últimos anos. Como a lei versou sobre dados demográficos, o bom senso pediria que ela se adequasse aos novos dados. No Brasil, neste espaço de tempo, a média de vida aumentou mais de cinco anos. Portanto, a referência equivalente aos tempos do Concílio seria hoje de oitenta anos, no mínimo.
Mas não é só a idade que está em questão. O bispo carrega uma missão que não se enquadra em número de anos, nem se mede por incumbências administrativas. Se mede antes pela doação integral de sua vida, dure ela quanto durar. Esta missão não se esgota no governo de uma diocese, ao qual ele pode renunciar até antes dos 75 anos, para se dedicar mais intensamente a uma missão que ele intui como prioritária. Basta pensar nos bispos que são chamados a trabalhar na Cúria Romana. Eles deixam de governar uma diocese, sem deixar de serem bispos. Ora, não é só na Cúria Romana que um bispo poderia se dedicar a uma missão específica, própria de sua condição de bispo.
O bispo, desde sua ordenação episcopal até sua morte, é constituído membro do “colégio apostólico”, isto é, do grupo dos apóstolos, as pessoas incumbidas de dar a respeito de Cristo o testemunho fundante da Igreja. “Sereis minhas testemunhas” (Atos 1,8), falou Jesus. Os apóstolos deram testemunho de Cristo até o seu martírio, como selo final de sua fidelidade ao Senhor. Cada bispo também só completa seu testemunho com o selo de sua morte.
Portanto, ele conserva ao longo de toda a vida a missão essencial para a qual ele foi ordenado. Com a renúncia ao governo de uma diocese, ele não renuncia, de modo nenhum, à sua missão vital. Ele não fica descartado, ele não é demitido, ele não é dispensado. Ele continua apóstolo de Cristo, para todos os efeitos.
Esta situação precisa ser melhor administrada pela Igreja, ao ser confrontada com as inevitáveis precariedades humanas que a idade traz a todas as pessoas. A situação atual deixa o desconforto de parecer que a Igreja valoriza mais a administração das dioceses, em prejuízo do testemunho pessoal dos bispos.
Por um lado, é evidente a necessidade de uma lei sábia, que administre esta situação, que não pode ficar só ao arbítrio de cada bispo. Quando da discussão conciliar sobre este assunto, lembro da ponderação do cardeal D. Alfredo Vicente Scherer, comentando a inconveniência de deixar a decisão só ao critério de cada bispo. Dizia ele: “um bispo que tem o bom senso de pedir a renúncia, é aquele que poderia continuar. E quem não pede a renúncia é o que já deveria ter renunciado”.
Está bem, portanto, que não fique ao critério exclusivo de cada bispo. Mas não está bem que o assunto fique sujeito ao arbítrio alheio, submetido a critérios que muitas vezes nada tem a ver com a missão apostólica dos bispos.
O assunto requer uma adequada reconsideração, que explicite melhor a condição eclesial do bispo emérito, garantindo-lhe as condições para que ele continue exercendo, no contexto vital em que se encontra, sua missão apostólica de testemunha radical de Cristo, que continua garantindo a fidelidade eclesial ao Senhor Ressuscitado.