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O mestre Vitalino de Caruaru, PE, está completando 100 anos – nasceu em 10 de julho de 1909 e faleceu em janeiro de 1963. Mas sua obra continua viva, testemunhando em barro a vida do nordestino. Ele se liga à matéria-prima que sempre impressionou todo homem e toda mulher, o barro. É como se a pessoa se transportasse inconscientemente àquela vocação-apelo do Criador no livro do Gênesis :”Lembra-te homem que és pó e em pó te hás de tornar”.

Quem foi criança no interior, lembra-se que os brinquedos eram basicamente de barro: cavalinhos, casas, bois, vacas, etc. Desse modo, Vitalino, desde os seis anos de idade, estendeu o brinquedo de criança para testemunhar no barro, o “modus vivendi” do nordestino – podemos falar em retratar no barro os aspectos mais marcantes da vida do seu povo. Tudo era resultado das experiências de uma infância no campo aliada àquela da modelagem no barro, que executava construindo miniaturas de animais e louça de brincadeira, ou seja, louça utilitária em forma de bichinhos, de paliteiro, de mealheiro, de farinheiro. E tudo isso, alem de ser um dom, ele aprendeu com a mãe que era louceira. Ela deixava as sobras de barro para ele dar asas à imaginação e as mãos livres para o ofício criativo de um elemento ancestral na história das culturas que é o barro.

Ele nasceu na austeridade do Sítio Ribeira dos Campos e de lá saiu em direção do Alto do Moura,bairro de Caruaru, local marcado pela presença de oleiros, do rio e de barro, à disposição daqueles artesãos. Essa localidade usufrui, desde então, as benesses conquistadas pela fama mundial do ceramista. Nessa localidade existe a casa em que ele viveu e trabalhou até a morte e se tornou um museu dedicado às suas obras de arte que retratam o jeito de viver do mestre caruaruense.

A partir dos anos 30, o artista direcionou sua inventividade para “as peças de novidade”, ou seja, a construção de grupos de figuras humanas que reproduziam o cotidiano e diferiam do que se fazia em cerâmica. Foi na condição de fiel observador do cotidiano da vida do povo, dos ciclos vitais da humanidade, os costumes, crenças, tudo enfim que caracterizava o povo nordestino serviu para como esteio para as mãos hábeis do ceramista transformarem o barro em arte.

O livro do Gênesis, numa grande parábola sobre a Criação, coloca a Deus Criador como o Grande Oleiro que molda da matéria primeira o homem “à sua imagem e semelhança”.Esse livro reflete um estágio da humanidade no qual o barro era o elemento importante para aquele grupo histórico-cultural. Tudo era feito de barro. A obra conclusiva da Criação foi feita dessa matéria. E é nela que o Criador infunde o seu sopro, o seu espírito – e dá vida ao barro tornando-o pessoa humana.

O Bispo D. Helder Câmara, que este ano também completa 100 anos de nascimento, um dia disse que “Vitalino era o mestre de todos os que trabalham no barro no Nordeste. Deus continua a inspirar tantos outros seguidores dele, e outros criadores para continuarem a sua obra. É, de fato, participar do Gênesis, é chegar em pleno ato da Criação, já agora do homem, continuando a Criação de Deus”.

S. Francisco, sintonizado com todas as criaturas, no seu “Cântico do Sol”, não se esqueceu da terra, cantada como elemento … :
”Louvado sejas meu Senhor,
Por nossa irmã e mãe terra,que nos alimenta e governa,
E produz variados frutos
E coloridas flores e ervas”.
Dessa forma, o Mestre Vitalino, e todos os que modelam o barro em Maragojipinho, e em tantos outros recantos, continuam a grande sinfonia da Criação.

(*) Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do IGHB ,do Instituto Genealógico e da Academia Mater Salvatoris

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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