Padre Beto 6 de abril de 2009


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Quando os primeiros missionários cristãos chegaram à Inglaterra, tiveram que pedir permissão ao rei para desenvolver seu trabalho de evangelização. O rei reuniu seus conselheiros na sala do trono e, em torno de uma lareira, ficaram até tarde da noite discutindo sobre o assunto. Em um determinado momento, um pássaro noturno entrou pela janela e, por alguns minutos, ficou voando pela sala iluminada e depois saiu novamente para a escuridão. Um dos conselheiros então tomou a palavra: “Eu acredito que assim acontece também conosco! Nós viemos da escuridão e entramos na sala iluminada da vida. Aqui passamos por um certo tempo e depois voamos novamente para a escuridão. De onde viemos? Por que passamos por esta existência? Para onde vamos? Estas são as maiores perguntas que podemos fazer. Se um destes missionários puder dar uma boa resposta a uma destas perguntas, por que não estaríamos dispostos a ouvi-los? Para compreendermos a vida necessitamos da abertura corajosa diante das diversas possibilidades!”

Constantemente buscamos a verdade. Seja de forma inconsciente ou não sentimos a necessidade de ter um certo domínio sobre a realidade, ou seja, necessitamos ter uma verdade sobre os fatos, situações e sobre a nossa própria vida. Sem dúvida alguma, a verdade deve possuir uma relação direta com a realidade. Afinal, ela pretende ser a expressão humana da realidade vivida por todos nós. À medida que possuo uma verdade, tenho a “segurança” de conhecer (pelo menos por um determinado tempo) aspectos de minha vida. Nesta verdade, encontramos sempre a diferença entre dois níveis em constante interação: a afirmação e o fato. Possuir uma verdade significa afirmar algo sobre determinado fato. Esta afirmação é carregada de conteúdo, ou seja, através da verdade (afirmação) caracterizamos o fato, damos um determinado valor a ele. Por ser uma afirmação humana, a verdade está também ligada à comunicação. Assim, a verdade humana tenta dar conteúdo a um fato ou circunstância através de uma afirmação que se expressa em uma frase. Nenhuma verdade é aceita se não existe uma relação de coerência entre estas três dimensões: afirmação, frase e fato. Uma afirmação torna-se verdade quando uma frase pode exprimi-la, uma frase por sua vez torna-se verdadeira quando um fato ou uma circunstância pode atestá-la. Portanto, o exame da frase e da afirmação está na aproximação do fato. É justamente na circunstância que se comprova a veracidade de uma afirmação e de uma frase. Para se provar que tal afirmação é verdadeira é necessário encontrar uma correspondência entre o fato descrito, a circunstância expressa em uma frase e o fato ocorrido, a circunstância vivenciada.

Assim, o grande desafio em relação à verdade está na confrontação de sua afirmação com o fato. Este desafio exige que tenhamos a abertura necessária para analisar a realidade através de diversas perspectivas na procura de aprimorar nosso conhecimento sobre as situações. Viver é estar em um constante conhecimento da realidade, ou seja, em um constante questionamento sobre nossas verdades, comprovando se estas se encaixam realmente com os fatos vividos. Para isso é necessário a humildade de admitir que sempre estamos aprendendo. Como afirmou, certa vez, Eça de Queiroz, “para ensinar há uma formalidade a cumprir. Saber”. Um inimigo do saber e, por conseqüência, da verdade, é o dogmatismo. A verdade sobre os fatos e sobre a vida deve estar sempre acompanhada de seu questionamento, de uma constante avaliação. A verdadeira sabedoria não consiste somente em atingir a verdade, mas principalmente em ter a consciência de que a verdade pode não corresponder exatamente com as circunstâncias. “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” (João Guimarães Rosa). Atrás do dogmatismo, muitas vezes, está o medo de que a verdade seja outra. A afirmação dogmática sobre a realidade significa uma forma de fuga da mesma. Muitas vezes criamos uma verdade que nos agrada e não queremos conhecer ou reconhecer a discrepância que existe entre o que acreditamos e o fato, a circunstância que contesta ou até mesmo nega esta verdade. Nos fechamos à confrontação dos fatos com nossa afirmação porque no fundo sabemos que esta irá nos fazer sofrer. Porém, “conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela” (Confúcio). De qualquer forma, a busca da verdade sobre os fatos e a vida constitui no verdadeiro viver humano. Justamente passamos pela existência para nos aproximarmos da verdade… ou não! “De cada vez sabemos mais… que não sabemos nada” (Eça de Queiroz).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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