Quando os primeiros missionários cristãos chegaram à Inglaterra, tiveram que pedir permissão ao rei para desenvolver seu trabalho de evangelização. O rei reuniu seus conselheiros na sala do trono e, em torno de uma lareira, ficaram até tarde da noite discutindo sobre o assunto. Em um determinado momento, um pássaro noturno entrou pela janela e, por alguns minutos, ficou voando pela sala iluminada e depois saiu novamente para a escuridão. Um dos conselheiros então tomou a palavra: “Eu acredito que assim acontece também conosco! Nós viemos da escuridão e entramos na sala iluminada da vida. Aqui passamos por um certo tempo e depois voamos novamente para a escuridão. De onde viemos? Por que passamos por esta existência? Para onde vamos? Estas são as maiores perguntas que podemos fazer. Se um destes missionários puder dar uma boa resposta a uma destas perguntas, por que não estaríamos dispostos a ouvi-los? Para compreendermos a vida necessitamos da abertura corajosa diante das diversas possibilidades!”
Constantemente buscamos a verdade. Seja de forma inconsciente ou não sentimos a necessidade de ter um certo domínio sobre a realidade, ou seja, necessitamos ter uma verdade sobre os fatos, situações e sobre a nossa própria vida. Sem dúvida alguma, a verdade deve possuir uma relação direta com a realidade. Afinal, ela pretende ser a expressão humana da realidade vivida por todos nós. À medida que possuo uma verdade, tenho a “segurança” de conhecer (pelo menos por um determinado tempo) aspectos de minha vida. Nesta verdade, encontramos sempre a diferença entre dois níveis em constante interação: a afirmação e o fato. Possuir uma verdade significa afirmar algo sobre determinado fato. Esta afirmação é carregada de conteúdo, ou seja, através da verdade (afirmação) caracterizamos o fato, damos um determinado valor a ele. Por ser uma afirmação humana, a verdade está também ligada à comunicação. Assim, a verdade humana tenta dar conteúdo a um fato ou circunstância através de uma afirmação que se expressa em uma frase. Nenhuma verdade é aceita se não existe uma relação de coerência entre estas três dimensões: afirmação, frase e fato. Uma afirmação torna-se verdade quando uma frase pode exprimi-la, uma frase por sua vez torna-se verdadeira quando um fato ou uma circunstância pode atestá-la. Portanto, o exame da frase e da afirmação está na aproximação do fato. É justamente na circunstância que se comprova a veracidade de uma afirmação e de uma frase. Para se provar que tal afirmação é verdadeira é necessário encontrar uma correspondência entre o fato descrito, a circunstância expressa em uma frase e o fato ocorrido, a circunstância vivenciada.
Assim, o grande desafio em relação à verdade está na confrontação de sua afirmação com o fato. Este desafio exige que tenhamos a abertura necessária para analisar a realidade através de diversas perspectivas na procura de aprimorar nosso conhecimento sobre as situações. Viver é estar em um constante conhecimento da realidade, ou seja, em um constante questionamento sobre nossas verdades, comprovando se estas se encaixam realmente com os fatos vividos. Para isso é necessário a humildade de admitir que sempre estamos aprendendo. Como afirmou, certa vez, Eça de Queiroz, “para ensinar há uma formalidade a cumprir. Saber”. Um inimigo do saber e, por conseqüência, da verdade, é o dogmatismo. A verdade sobre os fatos e sobre a vida deve estar sempre acompanhada de seu questionamento, de uma constante avaliação. A verdadeira sabedoria não consiste somente em atingir a verdade, mas principalmente em ter a consciência de que a verdade pode não corresponder exatamente com as circunstâncias. “Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende” (João Guimarães Rosa). Atrás do dogmatismo, muitas vezes, está o medo de que a verdade seja outra. A afirmação dogmática sobre a realidade significa uma forma de fuga da mesma. Muitas vezes criamos uma verdade que nos agrada e não queremos conhecer ou reconhecer a discrepância que existe entre o que acreditamos e o fato, a circunstância que contesta ou até mesmo nega esta verdade. Nos fechamos à confrontação dos fatos com nossa afirmação porque no fundo sabemos que esta irá nos fazer sofrer. Porém, “conhecer a verdade não é o mesmo que amá-la e amar a verdade não equivale a deleitar-se com ela” (Confúcio). De qualquer forma, a busca da verdade sobre os fatos e a vida constitui no verdadeiro viver humano. Justamente passamos pela existência para nos aproximarmos da verdade… ou não! “De cada vez sabemos mais… que não sabemos nada” (Eça de Queiroz).