Marcelo Barros 14 de abril de 2009


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A tradição judaica acredita que, enquanto existir no mundo dez pessoas justas, o universo está salvo. E dom Hélder Câmara comentava a passagem bíblica dos famosos dez justos de Abraão (Gen. 18), dizendo que, se o patriarca tivesse insistido com Deus, Ele teria aceitado poupar as cidades dos malfeitores, por apenas um justo que aí vivesse. Certamente, não é o nosso caso. Nem porque não merecemos a condenação divina que o povo diz ter caído sobre as cidades do vale do Mar Morto, como porque, graças a Deus, temos não apenas uma, mas muitas pessoas no mundo que podem ser referências e testemunhas de justiça.

De qualquer modo, nestes dias, ficamos mais pobres, porque mais um justo se foi. No mosteiro da Anunciação do Senhor, na Cidade de Goiás, faleceu o irmão Pedro Recroix que todos chamavam de “Pedrão” .

Ele veio da França para o Brasil em 1960. Foi monge e lavrador em Curitiba até vir para Goiás em 1977. Veio com mais dois companheiros para conviver com o povo mais pobre do Centro-Oeste e apoiar os movimentos de pastoral popular com uma espiritualidade consistente.

Durante quase sete anos, viveu como eremita. No início, em Goiás e depois como pároco em Itapirapuan. Em 1984, decidimos refazer um pequeno mosteiro para ser ponto de referência espiritual e humano para o povo da periferia e do campo. Desde então, ele viveu sua vocação, repartindo o tempo entre a comunidade e sua profunda vocação de oração pessoal e íntima. Ao mesmo tempo, aprimorou o talento artístico que já vinha de Curitiba. Fez exposições internacionais com suas talhas de madeira, extremamente criativas, hoje espalhadas pelo mundo inteiro. O tema mais recorrente de seus trabalhos é a renovação da natureza, assunto que, cada vez mais, interessa a todos nós. Entretanto, ele foi acima de tudo um monge, procurador de Deus, “peregrino do Absoluto”.

Filho de oficial do exército francês, desde muito jovem, sua personalidade forte e seu caráter de atleta o tornou um excelente nadador e um pescador renomado. Nos anos 80, se exercitou nos rios e riachos de Goiás. Mais tarde, esta força interior foi direcionada, principalmente, para uma forte disciplina comunitária e uma fidelidade a toda prova aos irmãos com os quais convivia. Dificilmente, se encontrará alguém tão estável e tão capaz de ser sempre o mesmo. Ele conseguiu isso pelo segredo da oração silenciosa e repetida do nome de Jesus e pela valorização de um método de perseverança, pelo qual o cada dia é como se fosse um dia novo e original.

No mundo todo e também entre nós, muitas pessoas, das mais diversas tradições espirituais e de idades diferentes são testemunhas do amor divino. Ajudam as pessoas a se colocarem diante das perguntas e desafios mais profundos e íntimos da vida. O mundo desorientado e sem rumos em que vivemos precisa muito desta referência espiritual. Neste sentido, com a partida do Pedro, ficamos todos mais carentes. No céu, ele continua praticando conosco seu humor afiado. Certamente, está nos provocando a manter viva dentro de nós a chama que ele representou em madeira na capela do Mosteiro: uma representação do mistério divino e, ao mesmo tempo, do fogo do amor e da busca permanente da plenitude que todos nós temos de reacender na terra.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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