Os estudiosos da religião têm se perguntado como foi que a palavra de um profeta pouco conhecido no seu tempo deu origem à maior religião do mundo. Ele que tantas vezes foi relegado como Messias pelos seus contemporâneos: “Não é esse o filho de José? “. E em outros textos:” Esse, nós conhecemos as origens. Mas quando vier o Messias, não se saberá de onde vem”. A princípio, Jesus parecia ser mais um profeta entre dezenas de pregadores do seu tempo, que disputavam a atenção do povo judeu, especialmente em Jerusalém. Na verdade, a antiga Judéia era um ambiente bastante conturbado naquele primeiro século da era cristã. O discurso dos profetas não era muito diferente um do outro.
Numericamente falando, Jesus teve poucos discípulos em vida. Mas nas décadas seguintes à sua morte e ressurreição, suas palavras conquistaram o mundo numa velocidade impressionante, considerando-se a precariedade dos meios de transporte e de comunicação daquele tempo. Apenas um século após a sua crucifixão, mesmo a perseguição aos cristão sendo atroz,sua mensagem teve grande expansão nas regiões mais recônditas,isto é, da Síria às ilhas britânicas. O sociólogo Rodney Stark, autor de O Crescimento do Cristianismo, afirma que pelo ano 350 os cristãos constituíam mais da metade da população dos territórios romanos. Hoje essa fé é professada por cerca de dois bilhões de pessoas, um terço da população mundial.
O que fez de Jesus um profeta diferente dos outros? Como Ele se tornou o Cristo, que significa “o ungido” em grego?
Cada vez mais estudiosos, teólogos, historiadores e até arqueólogos, investigam esse enigma. A pista começa na Jerusalém da época dele. A população estava estimada em 80 mil habitantes, e se dividia entre uma pequena elite sacerdotal judaica e a grande massa dos pobres. A região, desde o nascimento de Jesus, estava dominada pelos romanos, que permitia a liberdade de culto ao Deus deles, Javé, mas exigia o pagamento de pesados impostos. Para tanto, os romanos foram extremamente habilidosos, pois contratavam pessoas dentre os dominados para serem os cobradores de impostos. Com o apoio dos soldados, eles cobravam o que competia mas extorquiam os próprios irmãos cobrando para si o que queriam, contanto que a parte dos romanos ficasse salva. Por isso é que nos evangelhos a profissão de cobrador de impostos era considerada como um pecado público. Não podemos nos esquecer que o evangelista Mateus provinha dessa profissão.
A falta de perspectiva, olhando sob o ponto de vista sócio-cultural, favorecia o surgimento de movimentos apocalípticos que preconizavam o final dos tempos como iminente e a promessa de um reino nos céus. O principal local de pregação era Jerusalém, o centro da fé judaica. De acordo com os relatos bíblicos, foi Salomão, filho de Davi quem construiu o primeiro templo. Mas os babilônios o destruíram, através da mão forte do rei Nabucodonosor. No período persa, com Ciro, ele foi parcialmente reconstruído, mas foi ampliado no período do rei Herodes pelo ano 19 a.C. Nas datas festivas, sobretudo na ocasião da Páscoa, recebia milhares de fiéis dos quatro cantos da terra que faziam suas oferendas e orações.
Dois tipos de profetas atuavam então, de acordo com Richard Horsley, professor de Ciências da Religião da Universidade de Massachussets e autor de Bandidos, Profetas e Messias – Movimentos Populares no Tempo de Jesus. Havia uns que tinham um discurso mais religioso anunciando o castigo divino e outros que inspiravam revoltas armadas contra o Império romano. As atividades desses profetas foram relatadas pelo historiador Flávio Josefo que viveu entre 37 a.C. e 100 d. C. O pregador mais conhecido naquele tempo foi João Batista que se vestia com peles de camelo e comia gafanhotos silvestres. Ele realizava ritos de batismo purificadores chamando o povo à conversão no Rio Jordão. Foi preso e degolado. “A promessa de salvação eterna era comum a todos, mas eles estavam voltados para o judaísmo”, afirma Louis Painchaud, professor de Ciências da Religião da Universidade de Laval, em Québec no Canadá. E ainda afirma :”Jesus não rompeu com as antigas tradições, mas não se apegava aos antigos rituais e nem à Torá”.
Os ensinamentos de Jesus foram difundidos numa época em que o judaísmo entrou em crise. Pelo ano 66 d.C., a insatisfação crescente dos judeus gerou uma revolta generalizada. Para conter a fúria das massas, a resposta dos romanos foi calculada. Tocaram no que havia de mais sagrado e que significava o centro de unidade religiosa, social e política dos judeus : o Templo foi destruído e com ele milhares de judeus foram mortos. O desamparo do povo aumentou ainda mais a ânsia por uma resposta espiritual, mas ao mesmo tempo desvinculada do culto anterior. Nesse momento, o cristianismo surgiu.
(*) Sebastião Heber. Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do IGHB ,do Instituto Genealógico e da Academia Mater Salvatoris