[email protected]
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/
Nos relógios, sombreados de mistérios, as sombras da tarde escorregam noite a fora. No fundo do corredor o retrato da tia carola, rosário nas mãos, penso que me vê com sua sabedoria esfumaçada por uma velhice esquecida da infância e dos sorrisos da menina-moça. Está ali como quem escapou do de lá para o mundo de cá. A maldade do tempo apagou sonhos, pintou sombras, decompôs lembranças nos sorriso cheios de dentes e de soluços.
A ventania desgovernada, anda por aí.
Penso.
Penso que sou nuvem. Incorporo-me ao desmantelo do tempo. Sinto-me como as folhas secas das palmeiras, seguro nas mãos do vento.
Tento meditar. Não posso. Um tumulto estranho se enovela nas minhas entranhas. Tenho paciência. A fúria de uma onda se esbagaça na areia. Será este o caminho? Já não sei calcular distâncias, nem vencê-las. O pensamento alonga ou encurta as estradas. Momento de intensa confusão, vejo, ouço, sinto, toco, penso e imagino. Comando sempre ativado.
Espero que anoiteça. De repente as idéias tentam se emancipar num grito de liberdade. Criam força e autonomia. Não sei por que, lembro de Van Gog pintando girassóis num vendaval de cores. O amarelo anarquista, bandoleiro, halos de luz numa radioscopia de sorrisos melancólicos, movimentos autômatos, a morte por modelo.
Então, ouço.
Ouço nos coros das catedrais vozes misturadas ao canto monótono dos pardais e aos toques bem comportados dos sinos. Cantos Gregorianos tentam traduzir a tristeza para a linguagem da solidão, uma solidão que não se traduz, nem se explica. Escuto à beira dos túmulos. Invento vozes. Falo sozinha. O prazer de me ouvir me angustia.
A imaginação ativada mistura tempo e distância, e de repente sinto, sinto que sou um Chaplin sem cartola nem fraque. Caricatura, apenas.
Caminhos de pedra. Todos eles. Curtos, ásperos, eternos.
Vejo, vejo pecados onde não há. Luxúria? Liberdade da imaginação afoita.
Lembrar, lembrar, depois esquecer. O que realmente vale a pena?
Agora, minha liberdade controlada ensina-me a amar o meu cansaço. Ensina-me a pensar. Lembro da tristeza de Van Gog que o levou à loucura à morte e à mutilação.
Ouço o barulho das palmeiras, do vento, e da noite. Esqueço. Nem sei o que aconteceu primeiro. Não, não é o agora de mim que me preocupa, é o depois. É o caminho de casa, abrir portas e janelas, arrumar gavetas, deitar, dormir ter pesadelos. Tudo não passa de assombrações que criamos para ter certeza de que estamos vivos. Assombrações que se escondem dentro dos sonhos alucinados, dos olhos medrosos, filhos da escuridão. Foi quando pensei em furá-los. Ficaria com o pensamento vazado? Perco-me em caminhos atravessados, uns dentro dos outros.
Não tenho relógio para contar meu tempo. Faço as contas nos dedos, multiplico as mãos para contar quantos destinos tenho. Quanto tempo ainda me resta para ouvir, pensar, sentir, lembrar, esquecer.
Imagino…
Obs: Imagem enviada pela autora.