PROJETO 1000MULHERES

Recebo de minha irmã, Suely Telma, que me envia de Olinda o livro sob o título em epígrafe. Com ele podemos homenagear a Mulher no seu Dia. A coordenadora da obra é Clara Charf, que desde 1945 tem desenvolvido uma árdua luta em defesa da paz. Ela protestou contra a bomba atômica, na década de 50 lutou contra o envio de soldados para a Guerra da Coréia. Com o Golpe Militar de 64, conheceu a clandestinidade pois teve seus direitos políticos cassados vivendo no exílio por quase 10 anos. Hoje aos 80 anos continua atuante. Participa da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, atua no Conselho Nacional do Direito das Mulheres, vinculado à Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República.

O livro é fruto de um Projeto que para alguns soou como um atrevimento. A idéia básica foi de propor ao Comitê do Prêmio Nobel da Paz, sediado em Oslo, a inscrição coletiva de 1000 mulheres representando o mundo todo na sua diversidade cultural. Apesar do Projeto não ser vencedor, ele abriu caminhos e sensibilidades em prol da paz.

Esse sonho nasceu na Suiça, quando um grupo de mulheres ativistas pelos direitos humanos vislumbrou a possibilidade de mapear nas grandes cidades e nas regiões mais recônditas do planeta, mulheres que estariam trabalhando, dentro de sua cultura , pela paz. O Projeto se organizou e foram designadas 20 coordenadoras em todo o mundo. A senhora Scharf foi indicada para coordenar o setor Brasil. Com um Comitê Executivo, ela estruturou sua ação de modo a fazer chegar ao maior número possível de pessoas, em todo o Brasil, a notícia do Projeto. Com a ajuda da mídia, logo ela recebeu a indicação de 262 nomes vindos da quase totalidade dos estados brasileiros. Novos desafios se impuseram: como escolher apenas 52 finalistas, cota dada pelo Comitê Central? Elas vieram de todas as procedências: negras, brancas,indígenas, idosas,maduras, jovens, doutoras e com poucas letras.

O livro apresenta as 52 finalistas do Brasil.Ao lado de Benedita da Silva, Luiza Erundina, Marina Silva,Rose Marie Muraro, Shuma Shumaher, Therezinha Zerbini,Zezé Motta, Zilda Arns, algumas baianas se fazem presentes.

Mãe Hilda compõe essa galeria de baianas ilustres.Ela nasceu em 1923, na Quinta das Beatas, em Brotas. Com 13 anos se mudou com os pais, para o Curuzu, na Liberdade, o mais negro dos bairros de Salvador. Foi lá em 1953 que ela fundou o Terreiro Ilê Axê Jitolu, e pouco a pouco, se tornou a grande Mãe Negra. Para sustentar seus seis filhos ela não hesitou em vender comida em obras, fábricas, em pontos de embarcações. Ela, com a permissão dos orixás e caboclos, abençoou o Bloco Ilê Aiyê, fundado pelo seu filho Vovô.

Mãe Stella de Oxossi não podia faltar. Nasceu em 1925, em Salvador e é filha de Oxossi, o orixá caçador. Seu Terreiro, o Ilê Axê Opô Afonjá, é um dos maiores e mais prestigiados do país. Foi fundado em 1910 por Mãe Aninha e foi tombado pelo Ministério da Cultura. Mãe Stella entende que está mais do que na hora de os negros cobrarem pelos seus direitos, seu valor, começando por exigir educação de qualidade.Também prega que a população negra deve abandonar os folclorismos e os estereótipos da “baianidade” em troca de uma real apropriação da cultura afro-brasileira-baiana.

Maria José Rosado Nunes, nascida em Caxambu, Minas Gerais, como freira trabalhou no sertão baiano. Já desde o início de sua atividade pastoral, mostrou sua preferência pelos mais abandonados da sociedade. Em Barra do Mendes, tinha duas opções para chegar ao local das atividades catequéticas: ou atravessar a Rua da Palha, onde viviam as prostitutas ou andar mais e ir pela Praça da Matriz. Apesar das recomendações, ela preferiu o caminho mais curto pois era um pretexto para cumprimentar aquelas mulheres abandonadas.E em 1976 faz com elas a Novena de Natal, o que trouxe muito espanto para os circunstantes. Dessa forma, ela,ela quis mostrar o caminho que fundamentou sua vida: dizer “não” a qualquer tipo de discriminação contra a mulher. Em 1994, já desligada da vida religiosa, ela fundou no Brasil, a filial da organização não-governamental ”Católicas pelo Direito de Decidir”.

Na conclusão da publicação é dito:”Dar voz a essas mulheres é dar voz a um Brasil acolhedor, forte e esperançoso.É homenagear a luta diária de milhões de brasileiras e reconhecer sua importância em nossa sociedade.”

Sebastião Heber. Professor Adjunto de Antropologia da UNEB, da Faculdade 2 de Julho e da Cairu. Membro do IGHB ,do Instituto Genealógico e da Academia Mater Salvatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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