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Há muito tempo atrás, vivia no norte da China um homem velho e sábio. Sua casa se encontrava aos pés de uma enorme montanha. Esta oferecia um obstáculo para aqueles que desejavam caminhar em direção ao sul. Certa manhã, o velho sábio levantou-se decidido a solucionar o problema. Reuniu, então, seus filhos e, munidos com pás e baldes, resolveram remover a gigantesca montanha. Um vizinho ao ver o pequeno grupo no trabalho balançou a cabeça e gritou para os amigos: “Eu sempre achei que vocês eram loucos! Vocês não percebem que é realmente impossível remover esta montanha gigantesca!” Com um sorriso no rosto o velho sábio respondeu: “Quando eu morrer, meus filhos vão continuar o trabalho. Quando eles morrerem continuarão a trabalhar meus netos. A montanha é realmente gigantesca, mas ela não cresce mais que isso. Nossas forças, porém, podem crescer e se multiplicar. Com cada pedaço de terra que removemos caminhamos em direção ao objetivo. É muito melhor fazer alguma coisa do que simplesmente reclamar da montanha que encobre o sol!”

Para o filósofo francês Henri Bergson, a vida é um constante processo criativo impulsionado por um “élan vital”, ou seja, um impulso de vida que faz com que os seres vivos estejam em constante estado de transformação. O universo está em contínua mutação, criando novas formas e sendo um espaço para o surgimento do novo. A esta fonte inesgotável da qual emanam todas as coisas no seu fluxo perene, ao impulso vital que não é substância mas força, que produz por evolução sempre novas e melhores formas, Bérgson deu também o nome de “duração” (durée). A vida é um rio que flui em uma duração constante que carrega em si o que já existiu e o que está por vir. Segundo o filósofo, “duração é criação contínua, um ininterrupto jorro de novidade”. Neste universo, o ser humano possui um papel fundamental pois nele encontramos consciência viva, duração concreta, liberdade criativa. Esta vida espiritual da pessoa humana deve estar em constante comunicação com os seres do universo (atenção à vida), carregado de passado (memória) e em constante expectativa para o futuro (imortalidade). A vida, e principalmente a vida humana, é um constante tornar a ser, criativo surgimento de formas e atos para a superação da matéria. Esta, segundo Bergson, é o único obstáculo para o impulso finito, pois a matéria é inerte, dispersa e solidificada. Mas, ao mesmo tempo que a matéria impede, limita a evolução do élan, que é puro movimento, ela torna-se necessária, pois é na interação do impulso vital com a matéria que o novo pode surgir. Assim, o élan seria força e energia que atua na matéria.
Nesta dialética entre impulso vital e matéria, nascem no universo humano duas tendências: a moral repressora (regra de coesão social que garante e preserva a vida e os interesses das pessoas) e a expansão libertária (a abertura para a liberdade). Desta forma, temos sempre presente na vida humana dois momentos éticos: o fechamento e a abertura. A moral fechada é a moral da razão inspirada na idéia da sanção temporal. Ela é a moral da pressão social: obedece-se às leis impostas pela sociedade (cuja finalidade é a conservação da ordem social) pelo temor de se incorrer nas penas previstas para os transgressores da lei ou pelo desejo de se obter as recompensas prometidas a quem age segundo a lei. A moral aberta, porém, constitui-se em um momento superior do comportamento humano, um momento mais alto da vida, ou seja, sua atuação em liberdade. Na moral aberta o ser humano experimenta e vive a mais alta expressão da vida, e ao se deparar com as leis da sociedade se eleva à liberdade. Diferente da moral fechada, que pretende ser imutável e tende à conservação, a moral aberta está em movimento e tende à constante busca de melhor qualidade de vida e ao benefício da humanidade: é a moral fundada no amor.

Viver profundamente é ter consciência da mutabilidade do universo e da responsabilidade do ser humano em interagir com seu mundo, deixando fluir, na criatividade e sem o medo do novo, o impulso de vida que todos nós possuímos. Isso significa não se deixar levar pelo negativismo e pelo conformismo, mas ter a consciência de que cada um pode dar sua contribuição para que o universo humano se transforme em uma realidade mais bela e fraterna. A cada instante, a cada momento, podemos modificar nossa realidade interior e social tornando nossas utopias mais próximas da matéria, mais próximas de uma realidade a ser partilhada com o outro. No trabalho, na família, no círculo de amigos, no bairro, enfim, em todos os espaços que freqüentamos podemos dar sentido à nossa vida (que consiste em uma passagem) liberando a força positiva que nos move. Basta nos conscientizarmos que a vida não “é” assim, mas “está” assim. “Creia no amor e em sua mútua compreensão: será o explosivo mais poderoso de sua revolução” (Gandhi)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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