[email protected]
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/
O sabiá cantou, a borboleta parou no ar. Querendo alcançá-la a menina encheu-se de cores. Subiu na goiabeira. Voou. O vestido leve, a alma livre ouvindo a cantiga da mulher que não sabia do mundo, nem das portas do mundo, nem das dores do mundo, nem da alma criança que começava a sofrer.
Depois de muito tempo, ausente de mim, volto com a certeza de que não tenho sequer para onde ir e se for não terei pra quem voltar.
Entro no quarto. Sobre a cama, o baú de retalhos. Cuidado, menina, cuidado para não sujar o vestido. Era o cor de rosa, o de organdi, o de acompanhar procissão. A banda de música, o dobrado, a rua caminhando cheia de meninas coloridas e de recomendações. Prisões que me mantinham imóvel entre rendas fitas e bicos, beliscada pela malvadez do organdi, eu os vestia chorando. No retalho de chita estampada, a liberdade, ele me fazia dona da serra e dos regatos, mergulhava nas cachoeiras, sentava no chão, apanhava pitangas, goiabas, pinhas, figos e cajus, vestido que roubava doces na mesa da sala onde o pai, sentado e carrancudo não contava histórias.
No retalho azul, de cetim lamê, os acordes da primeira valsa, do primeiro sonho, mistura das cores e dos sons de todas as festas.
O branco, cauteloso, cheio de cuidados, virtudes e esperanças, abre todas as portas, espera o futuro. No fundo do baú, a cauda de renda; o véu, a grinalda.
Ando ao contrário. A Ave-Maria transfigura a Igreja. Porta aberta sobre os mistérios. Mentiras e verdades, esfinge ameaçadora: decifra-me ou devoro-te. O medo. Certeza dolorosa e inadiável.
Deixo para trás a certeza de uma mesma saudade: o primeiro namorado, todos os namorados, o primeiro beijo, todos os beijos. Sonhos esvaídos e evaporados presos no tempo. Lembranças coladas no quadro de avisos – lembretes para não morrer.