Djanira Silva 19 de fevereiro de 2009

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Em breve terei um arquivo morto onde recolherei todas as lembranças.
Olho-me no espelho. Profundas olheiras deixam meu rosto opaco, sem vida, os cabelos mais brancos, a pele seca, a alma sufocada na sombra dos olhos.
Sinto frio. Desligo o ventilador, apago a luz. No escuro sinto o corpo encolher entre as cobertas e a alma espichar no encantamento das lembranças:
O cheiro da alfazema queimando num fogareiro embaixo da cadeira onde a mãe colocava as roupas de cama. A camisola cor de rosa enfeitada com rendas de almofada feitas pela avó. Eu me vingava por ter que dormir tão cedo e puxava os fios que saíam do acabamento da renda fazendo pequenos buracos que a avó cerzia resmungando: nem adianta perfumar as roupas porque a menina leva o cachorro pra cama. Eu não gostava quando o chamavam de cachorro e a mim de menina. A gente tem nome, não tem, Licos? Ele se encolhia no meu braço e dava um grunhido como se entendesse. Minha mãe parecia ouvi-lo e vinha tirá-lo à força e, mais uma vez, proibia-me de levá-lo para o quarto. Vó Dinda, ouvindo-me chorar, dava um jeito de trazê-lo de volta enrolado no xale.

– Cuidado, não faça barulho.
Ele, como se entendesse, escondia-se embaixo das cobertas deixando de fora apenas o nariz gelado. Minha mãe que sabia de tudo, via tudo, resolvia tudo, voltava para levá-lo mais uma vez recomendando medrosa: não chore, vai acordar seu pai.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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