Contraditória festa a do Pre-Caju! Ao tempo em que traz alegria e movimento para os que desfilam na avenida, consegue acarretar tanto incômodo aos moradores do Bairro Treze de Julho, como, por exemplo, fechar algumas ruas, ligadas a avenida, ainda que só por três dias. Nada tão antipático como a interdição de ruas, para quem, diariamente, está acostumado a usá-las nos seus deslocamentos. Mas tal ocorrência é café pequeno ante o violento fedor que a urina, de certa parte dos foliões, derramada no asfalto e no paralelepípedo, provoca, nas ruas próximas a avenida. Vou citar a Rua Capitão Benedito Teófilo Otoni, que ficou infestada de urina e mostras de fezes, a ponto de só ser possível, nos primeiros dias depois da festa, por ela circular com o nariz tapado.

E a perturbação do sono, por três noites seguidas? A impressão que a gente tem é de dormir com um trio elétrico dentro do quarto, sendo sacudido, violentamente, pelo barulho que cada um, com suas cantorias=gritarias, faz. Salvo engano de minha parte, perturbar o sossego de outra pessoa é contravenção penal, sujeitando o infrator a um processo criminal. No caso do Pre-Caju, quem deve figurar no pólo passivo da demanda: 1) o prefeito, que autoriza a festa? 2) o organizador da festa? 3) o pessoal que faz parte do trio elétrico? Ou todos, em conjunto, inclusive os foliões? Acho, contrariando os meus parcos conhecimentos jurídicos, que a decisão do prefeito, ao estabelecer a realização do Pre-Caju na Avenida Beira-Mar, carrega força suficiente para revogar a Lei das Contravenções Penais, pelo período de três noites, circunstância que concede a festa a condição de ser, igualmente, poderosa, embora por um curtíssimo período de tempo.

Estranha festa a do Pre-Caju! Talvez a única no mundo em que a população da avenida e das ruas vizinhas se vê obrigada a proteger os muros, portas e paredes de suas casas. Os edifícios são compelidos a estragar a calçada, na colocação de tapumes de madeiras, para não sofrer danos. O edifício, onde resido, anualmente, danifica a bonita calçada que tem, porque o buraco feito não volta a ser o que era antes, mostrando que, uma vez aberto o buraco, haverá sempre o buraco. Aliás, não são apenas as casas que devem ser protegidas. Também a vegetação do Calçadão e da Avenida. Os tapumes de proteção, na cor exibida, fazem contraste a beleza do verde que o manguezal, que ali impera, e exibe, em companhia do verde dos arvoredos erguidos. Do gramado dos canteiros que dividem a avenida, pisoteado por tantas pernas, do verde anterior, só a raiz, convalescente, pode se salvar.
Poderosa festa a do Pre-Caju! Não arreda os pés da Avenida Beira-Mar, a ponto de transformar a cidade do Aracaju na única capital do Nordeste que permite a realização de tal acontecimento no seu mais bonito recanto. Recife botou pra fora o Recifolia da Avenida Boa Viagem. A imundícia que ficava e o barulho noturno perturbaram os seus moradores. João Pessoa não permitiu mais que a folia similar ocorresse na Avenida Tambaú. Não valia a pena. As demais capitais, também. Só Aracaju, como última moicana, insiste em realizar a festa, com tantos inconvenientes aos moradores do Bairro 13 de Julho, na Avenida Beira-Mar. Tão poderosa que impede o morador de circular, com seu veículo, se necessário, durante os desfiles dos blocos.

O Pre-Caju, de fato, com todas as honras, é um acontecimento singular, em termos de sujeira e de fedor. Até o asfalto, que é preto, a festa suja, como se este tivesse tomado um banho das mais diversas categorias de bebida. A marca do lodo fica. O Calçadão, da Treze de Julho, em sua parte inicial, muda de cor. Do cinza do cimento, passa a ser preto, a marca da sujeira de bebidas e urinas derramadas, se espalhando por todo o seu espaço [menos a parte que fica isolada, ainda bem, aleluia], a exigir, logo no outro dia, o que não acontece, um banho de água e de detergente, além de boas esfregadas, que nunca é dada. Porque limpar não é só jogar liquido no Calçadão, por mais específico que seja. A chuva, quando cair, tirará um pouco do lodo que, a primeira investida da água, não faz desaparecer com tanta facilidade. Mas a água da chuva não é detergente, de sorte que algo fica, como fica a certeza de que o Calçadão continuará, no decorrer de outros Pre-Caju, a sair sempre maltratado, apesar de se constituir, em dias de normalidade, em uma pista onde pessoas caminham desde a madrugada, circunstância que, desta forma, deveria ser sinônima de limpeza e de higiene.

Triste situação de um bairro que, depois da festa, fica com muitas ruas cheirando a urina e o Calçadão [a integrar um santuário de vegetação, que deveria, em seu todo, ser preservado] é transformado em pista engolida pela sujeira que a festa provoca.

E os dois riachos, que o cortam, de sujos que já são por natureza e omissão do Poder Público, ganham mais detritos, mais garrafas de plástico, mais lixo, tornando a sua paisagem uma vergonha que passa despercebida, apesar de visível a todos os olhos.

Que festa é esta, afinal, que causa tanto estrago ao asfalto da avenida e as ruas lindeiras, e suja tanto o Calçadão do bairro Treze de Julho?

É difícil imaginar que um bairro inteiro, pagando imposto predial tão alto, se veja, por três dias, obrigado a suportar uma festa que lhe é tão nociva, como se fosse uma penitência tópica e anual. Nas imediações do Mercado, não deu certo. O cheio de cocô de galinha incomodou os foliões, argumentaram. No entanto, nós, que moramos no Treze de Julho, temos de respirar o ar fétido que a urina de muitos foliões provoca, temos de ver até o asfalto ficar sujo, porque o Poder Público Municipal se limita a mandar varrê-lo, deixando de dar um bom e eficiente banho com detergente e tudo mais. Os foliões não agüentaram o mau cheio do Mercado. Nós, aqui, por outro lado, somos obrigados a conviver, de bico fechado, com a sujidade que fica, além de termos o sono, por três noites seguidas, interrompido e maltratado pelo barulho que os trios elétricos fazem.

Estranhos homens/autoridades que organizam e autorizam uma festa dessa no bairro Treze de Julho, homens que, talvez, assim procedam, porque não caminham em momento algum em seu Calçadão; não apreciam a sua vegetação; não trafegam, no outro dia, a pé, pelas ruas vizinhas, para sentir o desagradável e insuportável fedor de urina; não se comovem com a sujeira que fica no asfalto, nem a cor lodacenta impregnada no Calçadão, anualmente, durante as noites de festejos; não têm a sua liberdade de ir e vir maltratada pelas ruas interditadas, nem, tampouco e enfim, se veem com o sono interrompido pelo barulho dos trios elétricos.

E a qualidade de vida, nestes três dias de folia, no bairro Treze de Julho? Vai para longe, passar alguns dias em hotel de beira de praia.

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Publicado no Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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