No Chile, os estudantes estão indo às praças e ruas para protestarem contra as leis de educação ainda do tempo da ditadura. Na Bolívia, adultos e jovens estudam juntos o espanhol e, ao mesmo tempo, a língua Aymara ou Ketchua.
Fevereiro marca o início do ano letivo na maioria das instituições de ensino do Brasil. Em muitos ambientes, retoma-se a discussão sobre a validade do ensino religioso ecumênico nas escolas públicas, medida obrigatória em todo o país. Este assunto faz parte de uma polêmica mais ampla que se acirra em diversos países. Na França, leis proíbem o uso do véu islâmico ou do crucifixo cristão em repartições públicas e prescrevem para as escolas o “estudo do fato religioso”, disciplina não confessional e desligada de qualquer compromisso de fé. Também na Itália, recentemente, discutiu-se acirradamente o uso de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos. Nos Estados Unidos, um juiz foi destituído pela Corte Suprema porque se negou a retirar da sala de julgamentos uma escultura com os “Dez Mandamentos”.
Religião e fé envolvem sentimentos por demais íntimos e opções muito profundas do ser humano. Muitas pessoas defendem que religião é assunto privado de cada cidadão. Um Estado laical não pode privilegiar nenhuma religião nem permitir que qualquer expressão religiosa se imponha publicamente. Símbolos de uma podem ser ofensivos à outra. O que é louvor e honra para esta pode representar ofensa para aquela. Outros, ao contrário, se perguntam por que se rejeitam símbolos religiosos que pertencem ao patrimônio cultural de toda humanidade, e se impõem em todos os lugares públicos símbolos de marcas comerciais que ninguém contesta? Por que as jovens gerações não deveriam ter acesso à sabedoria religiosa, da humanidade para se tornarem capazes de pautar a vida por valores éticos, essenciais a qualquer sociedade?
A história e a filosofia das religiões fazem parte do cabedal cultural, indispensável para quem quer compreender o mundo. De fato, a sociedade moderna não considera culta uma pessoa que não saiba nada sobre Aristóteles, Shakespeare ou Napoleão. Será, então, que podemos formar nossos jovens sem conhecer Van Gogh, Kant, Freud e Einstein, ou na América Latina, Neruda, Jorge Amado, José Marti ou Zumbi dos Palmares? Como poderiam, então, ignorar Moisés, Buda, Jesus, Maomé, sem perder elementos fundamentais para a compreensão das culturas?
As religiões fazem parte da cultura. Elas fecundaram o patrimônio dos povos, inspiraram artes, políticas, direito, economia, costumes e alimentação. O desafio é que a história e menos ainda os fatos religiosos não podem ser compreendidos de forma neutra e distante. Cada vez mais, as ciências são convidadas a perder a arrogância de se considerar acima do bem e do mal. Feliz ou infelizmente, nós sempre falamos a partir de um ponto de vista. A pior ilusão consiste em crer que não se tem ponto de vista. A pretensão de um conhecimento objetivo e eqüidistante é ilusória. Principalmente, ao se tratar de religião, como em matéria de amor, ninguém se situa em domínio neutro. Por isso, muitos se perguntam: é possível estudar religião sem ser religioso e sem se restringir a uma superficialidade genérica e inútil? Como fazer os alunos compreenderem uma experiência assim tão intima como é o ato de fé? Como aprofundar um estudo leigo e não dogmático de cada religião, de modo a favorecer o diálogo entre as culturas e o fato religioso como estímulo ao encontro com o diferente?
Em alguns estados brasileiros, o ensino religioso ecumênico ainda enfrenta o desafio de tornar-se verdadeiramente inter-religioso, já que a comissão por ele responsável, só inclui católicos e evangélicos e alguns grupos negam qualquer valor positivo às religiões afro-brasileiras e indígenas. Quando as comissões são formadas exclusivamente por bispos, padres e pastores, cada ministro defende os interesses do seu grupo próprio. A comissão torna-se mais uma arena diplomática e de conquista de espaço do que uma instância de diálogo e construção da unidade.
A experiência maravilhosa da fé e da espiritualidade não pode ser comunicada a estranhos apenas pelo estudo racional. Seria como se eu tivesse de explicar a quem nunca viu uma manga o sabor próprio e maravilhoso desta fruta. Mas, acredito que posso propor o modo como as diversas religiões consideram a vida como sagrada, e contribuem para o respeito a todo ser humano e o amor à natureza. Posso ajudar a que a juventude em formação compreenda a contribuição de cada tradição espiritual para o aprimoramento espiritual da humanidade e como é importante que as religiões dialoguem e colaborem umas com as outras, para darem testemunho de fé e espiritualidade na construção da paz mundial.
1- Marcelo Barros, monge beneditino e autor de 26 livros, dos quais o mais recente é “O Espírito vem pelas Águas”. Ed. Rede-Loyola, 2003.