Malu Nogueira 28 de fevereiro de 2009


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O homem contemporâneo afasta-se de qualquer contato físico. Repele conversas com estranhos, cerca-se de cuidados, no intuito de garantir para si e sua família, uma segurança fictícia, coibindo assim, animadas e descontraídas conversas, com vizinhos e amigos.

Vive recluso, sozinho ou com a família, em apartamentos fechados, sem contato externo, que o leve a sair da solidão e do isolamento involuntário a que se vê obrigado a viver.

Já não existe o parar na porta de casa, o cumprimento informal na padaria, o colocar a cadeira na calçada de casa e prosear com vizinhos, numa noite displicente, sem receio de assaltos ou preocupação com o dia seguinte, cheio de compromissos profissionais e sociais.

Ninguém se recorda de ir à praça, sentar em seus bancos, ver a banda passar, ficar à toa na vida, dar comidas aos pombos, ver casais de namorados se beijando, crianças no parquinho, curtindo um pouco do dia, que passa e nós nem percebemos.

Algumas cidades interioranas conservam os hábitos acima descritos, com o intuito de preservar as relações pessoais e como forma de integração, vez que quase todos são parentes, agregados ou amigos.

Muitos vão à praça, sozinhos ou em grupos de amigos, para conversarem, contarem fatos e acontecidos, como forma de completude. Uma interação autêntica e inequívoca de que, repetem um papel que existiu há muitos séculos, que é preservado, de certa forma, pelo homem atual, sem qualquer pretensão de criar modismo, apenas, na sua sabedoria popular, entende ser necessário ao seu equilíbrio espiritual e pessoal.

A ágora, hoje praça tinha o poder de condensar cidadãos, que lá se concentravam ou eram convocados a debater assuntos da pólis, nas áreas políticas, sociais, religiosas, administrativa e cultural. Era um lugar público, no centro da cidade, próximo à igreja, ao comércio, a mercearia, onde o povo se reunia em maior quantidade, homens conversando com homens e mulheres tagarelando com amigas.

Algumas praças, ainda hoje, têm a construção de um coreto, que serve para apresentação de bandas de músicas, comemoração cívica, festas municipais. Há, também, um relógio, que enfeita e dá a exatidão do dia e que na Grécia Antiga esse relógio era de água e se chamava clepsidra (480 a.C), que o povo usava para aferir o tempo de uso da palavra dos oradores.

A praça é local, também, para se discutir sobre mudanças na cidade e, nessas oportunidades, para lá são levadas, urnas, para que o povo dê sua aprovação ou não, através do voto. Isso existia na ágora antiga, a urna era fixa e esculpida em bronze e usada nos pleitos da época.

Esse local, a praça, congrega todas as castas. O público e o privado se encontram, posto carregar consigo o poder de condensar a multiplicidade de interesses e a unidade da cidade, que encerra o respeito à diversidade e a possibilidade da ação conjunta – praça, povo.

Hoje, faz falta uma ágora, igual àquela da Grécia Antiga, onde a população acorria para debater sobre todos os assuntos, da pólis ao familiar, onde havia movimento social e cultural. Onde a figura central era o debatedor e seu tema. O explanador era respeitado, por ser sábio e importante.

O povo sabia poder, sempre que necessário, reunir-se, na praça e ter conhecimento de temas importantes da pólis.

Concluo que o homem não precisa da impessoalidade da televisão, ele precisa do espetáculo da praça, onde é respeitado, as tradições mantidas e a hierarquia cumprida, com tolerância e educação. Onde o público é um pouco do privado, de cada um dos presentes.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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