Ao longo desses 25 séculos de conversação filosófica, o grande leitmotiv e, por assim ser, o objeto das preocupações dos filósofos tem sido a “Verdade”, seja ela através das noções gregas da Episteme, da Doxa, da Mytein, do Eros, do Mantis, da Aporia, da Tragödiae, da Zethein, do Logos, da Aletheia, da Agonia ou da Empiria.

Em assim sendo, o tema da “Verdade” tem sido o cerne das questões filosóficas em todos os tempos de tal modo que poderíamos assentir, peremptoriamente, que a definição de o que vem a ser a categoria “Verdade” é polissêmica e assume múltiplas funções semânticas, sintáticas e pragmáticas ao longo dos tempos. Multiplicidade essa que levou o pensamento filosófico a estabelecer “verdadeiras” revoluções – ou como se costuma dizer tecnicamente “turns” (viradas) – na formação e no desenvolvimento do conhecimento sobre o mundo e seus elementos.

Dentre essas várias viradas que o pensamento filosófico estabeleceu a partir da noção de verdade e realidade, três foram cruciais no desenvolvimento da filosofia, enquanto saber qualificado sobre o mundo e as coisas que há no mundo. São elas: a chamada virada epistemológica – ocorrida entre os séculos XVII e XVIII; a chamada virada lingüística – ocorrida a partir do final do século XIX, chegando até o nosso novo século, o XXI; e a mais nova faceta filosófica, a chamada virada neopragmatista – ocorrida desde o final do século XX, adentrando-se pelo século atual, concomitantemente, com a virada lingüistico-lógica.

Em síntese, o que sempre se buscou, e se busca, nessas “Philosophicals Turns” é se chegar o mais próximo possível à Verdade não revelada das coisas. Penso eu que mais 25 séculos teremos e não chegaremos, desse modo como se quer chegar, à noção precisa de Verdade, dada à falibilidade e contingencialidade da condição humana. Isso porque, temos convicção – por razões que apontaremos nesta nova série de artigos – de que o único método que nos possibilita aproximarmo-nos da Verdade supra-sensível das coisas é o que a Bíblia chama de “Fé” (“o firme fundamento das coisas que se esperam e a certeza das coisas que se não vêem”). Mas, como disse e sabemos, filosófica e cientificamente, não temos, ainda, como atestar isso, ou seja, pela intelegibilidade racional – intuitiva ou não – não podemos fazê-lo. Somente podemos fazê-lo pela intelegibilidade dogmática, pela crença e não pela noção de certeza (evidência).

Mas voltando às três viradas cognitivas da filosofia, temos em cada uma delas o seguinte: na virada epistemológica, o que ocorreu foi a passagem da pergunta “o que é a realidade ?” – formulada, insistentemente, pelos filósofos antigos – para a pergunta “o que é o conhecimento da realidade ?”, formulada, agora, a partir dessa nova turn, ocorrida no século XVIII, pelos filósofos modernos. Nesse sentido, escreve o professor de filosofia brasileiro Paulo Ghiraldelli Jr.: “O que ocorreu foi a circunscrição da filosofia à ‘teoria do conhecimento’ ou dizendo de modo mais específico, à epistemologia. O pensamento filosófico tipicamente moderno voltou-se para o que colocou como uma necessidade imperiosa: a busca do conhecimento básico e/ou o fundamento de todo e qualquer conhecimento, e fez isso tentando mostrar modelos do que chamou de a ‘relação sujeito-objeto’, que seria a relação ‘par excellence’ entre a entidade que conhece e o que é conhecido”.

Dentre os vários filósofos que construíram tais modelos de subjetivação, em busca de como é possível o conhecimento do real, tivemos: primeiramente, René Descartes, depois Rousseau e, enfim, o insuperável, Kant. Em sendo assim, Ghiraldelli acrescenta: “Para os antigos, o existente é o que está apresentado (‘o que é e se mostra por si mesmo’), enquanto os modernos o entenderam como o que é representado (o que é posto por outro). Para os antigos, a verdade é o que é desvelado (‘o que podendo estar encoberto pode se apresentar des-coberto’, descortinado), enquanto que os modernos a entenderam como garantida pela certeza (‘o sentimento de evidência’). Por que essa mudança? Por causa da mudança de pergunta ‘o que é real?’ para ‘o que é o conhecimento (do real)?’. A segunda pergunta fez surgir uma entidade entre o real e o conhecimento. Tal entidade, no pensamento tipicamente moderno, é aquela na qual o existente ocorre e no qual a verdade é assegurada. Essa entidade, que re-presenta o real e que diz que o que é verdadeiro é aquilo que se passou pelo crivo da certeza, é o sujeito, é a subjetividade. O existente enquanto representação é atividade (como descoberta ou como criação) do sujeito; a verdade como certeza é um aval dado pelo sujeito. Mundo e verdade passaram, então, a ser subjetivados – passaram a ser objetos (do conhecimento) enquanto postos pelo sujeito. Isso é o que os historiadores da filosofia normalmente chamam de ‘subjetivação do mundo’.”

Depois disso, e das críticas veladas e cruciais de Charles Darwin, de Karl Marx, de F. Nietzsche, de S. Freud e de Wittgenstein a tais modelos de subjetivação do mundo e da verdade, chegamos até à chamada Linguistic Turn, a virada filosófica da linguagem e da lógica.

Nesta perspectiva, o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, nascido em Viena – de onde surgiu o famoso Círculo de Viena, composto por filósofos positivistas lógicos como Carnap, Tarski e outros – falava sobre a impossibilidade da construção de uma linguagem privada e, por assim ser, o valor de Verdade das coisas é, nada mais, nada menos, do que uma questão de linguagem formulada na interação social a partir das crenças dos sujeitos. Na realidade, os filósofos analíticos da linha dos positivistas lógicos ou empiristas reformularam o conceito de filosofia. Eles assentiam que a filosofia deveria deixar de ser metafísica e se tornar, exatamente, numa atividade de análise da linguagem, buscando-se ter uma linguagem clara e científica.

No bojo dessa virada lingüística e lógica, surge a mais nova faceta do pensamento filosófico: o neopragmatismo. Essa corrente de pensamento (com forte predominância de filósofos anglo-americanos, como Donald Davidson, John Dewey, Richard Rorty e outros que vivem na fronteira da linguistic turn com o neopragmatismo) assente que o conhecimento nada mais é do que um conjunto de crenças cuja Verdade é tão-somente um qualificativo que depende de como se produzem justificações. Isto é, a verdade, o conhecimento e a objetividade pregadas pela filosofia e pela ciência só explicam, não por seus valores pregados e assentidos, mas pelo conjunto de justificações e crenças apresentados. Rorty dizia: “antes esperança do que objetividade da verdade”; daí surgirem as teorias deflacionistas da verdade a fim de se contraporem às teorias substantivas da verdade.

Mas, enfim, com todas essas “viradas” de entendimento sobre o que é a Verdade, temos, então, uma Verdade? É isso que começaremos a ver nesta nova série de artigos, a partir da próxima semana.

(*) Cristão, Advogado e Professor da UFS – (www.uzielsantana.pro.br)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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