Djanira Silva 1 de janeiro de 2009


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Diante do altar, faço-me som em tom maior. Na saudade escrevi meu tom menor. O piano, a harpa, o sino, unem-se à luz, ao som, ao pesadelo, desenhando em rugas o rosto, o branco dos cabelos num conjunto de cores de todos os mundos.
O amanhã passado, mostrou-me a cigana livre, sem amarras, sem virtudes. Fogosa, e irrequieta dançou nos meus sonhos, bebeu do meu vinho, amou todos os homens. No brilho cúpido do seu olhar de fogo, explodiram vulcões. Dançando sobre pedras coloridas, estampadas de musgo, de flores do campo, tocando os guizos barulhentos da infância anunciou o gozo transparente ensinando-me um jeito sutil de apagar o sol. Criou, no mistério das profecias, o anúncio da morte escrita no mistério das esfinges. Então, eu te vi.
A flecha envenenada atingira teu coração abrindo no espelho a memória do paraíso. Recolhi a imagem. Roubei-a do berço do sol, berço de verdades e mentiras, imagens do infinito, do inédito que me habita.
Escrevi tua história na folha da palmeira. No balançar dos coqueiros, enquanto o vento emaranhava seus cabelos, gravei tua voz. Bebi dos frutos a seiva. Chorei minha face presa no espelho.
Sobre as teclas do piano a alma irrevelada. Na harmonia do milagre, as mãos que sabiam do som. As cordas do violino, tensas, nervosas, presas, mortas no limbo do esquecimento, embaixo da pedra morta ressuscitaram em tuas mãos.
Não mais reconheço a infância trocada muito cedo na estrada de Damasco onde seduzi Saulo que me entregou a dor da eternidade. Saudade, saudade, por que me persegues?
É preciso sofrer para saber da ausência, do sonho, da lembrança do mundo livre, dos movimentos das horas, de todos os sons, todas as brisas, todos os caminhos. É preciso sonhar porque eu fui antes de ser, porque eu já era uma lembrança que a criança foi deixando no caminho, em cada capítulo da verdade, nos prazeres da mentira, em cada partícula do mundo.
Preciso resgatar a memória do infinito a presença de cada novo dia, quando a alma dói num mundo em transe.
Piso no chão com pés de barro. Violinos cítaras, bandolins, abrem a partitura, avisam-me que nasci neste momento.
Coloco no tempo minha imortalidade. Tua saudade. Choro em sustenido maior em acordes de bemol. Trovões anunciam minha história, o pesadelo. Útero fechado onde abri os olhos vinda de outros mundos quando a borboleta colorida pousou no meu corpo e desenhou em meu coração a tatuagem verde, escrita com sangue azul.
Vida descartável. Nem preciso agradecer.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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