Padre Beto 15 de janeiro de 2009


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Deus cria o homem e a mulher no paraíso. Porém, no centro deste coloca a árvore do conhecimento do Bem e do Mal e estabelece uma única regra ao ser humano: “não comer do fruto desta árvore”. Com isso, Deus faz ao ser humano uma esplêndida provocação. O homem desobedece esta regra e é expulso do paraíso. Na verdade, a desobediência do ser humano dá início a sua própria história. Viver no paraíso era viver em um mundo infantil no qual nada poderia ser realizado, já que um paraíso é perfeito. Quando o ser humano se encontra fora deste, ele conquista a liberdade e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de construir sua história, definir o que é o bem e o mal e, através de experiências prazerosas e doloridas, amadurecer. O interessante é que em todo o mito narrado pelo livro do Gênesis, em nenhum momento aparece a palavra “pecado”, ou seja, ofensa a Deus.

Para Eric Fromm, o caráter revolucionário se forma por seis características. A primeira é a liberdade. Uma pessoa revolucionária faz questão de conquistar sua independência. A liberdade é o aspecto mais fundamental da evolução humana. O ser humano deve se desenvolver para a autonomia. Mesmo a pessoa da terceira idade, que por uma doença necessita da ajuda de terceiros, caso seja amadurecida pode ser uma pessoa extremamente livre. Neste sentido, o revolucionário é evoluído e, acima de tudo, vanguardista. A liberdade só existe quando o indivíduo pensa, sente e decide por si. Isso só se consegue autenticamente quando atingimos uma relação produtiva com o mundo exterior, que, por sua vez, nos permite reagir de forma autêntica. Como escreve Mestre Eckhart, “Que é a minha vida? Aquilo que se afasta de dentro, por si mesmo. Aquilo que se move de fora não vive”. No mesmo sentido escreve Karl Marx, que “o homem só é independente se afirma sua individualidade como homem total em todas as suas relações com o mundo, na visão, audição, olfato, paladar, sentimento, pensamento, desejo, amor – em suma, se afirma e expressa todos os órgãos de sua individualidade”. O homem plenamente desperto, produtivo é livre porque pode viver com autenticidade – seu ser é a fonte de sua vida. Em outras palavras, ele não possui medo de ser ele mesmo. A segunda característica do caráter revolucionário é a reverência à vida. A pessoa revolucionária possui um amor profundo pela vida, apesar de não estar apegado a ela. Justamente pela vida, ele busca a mudança, a transformação e está disposto a perdê-la, caso seja, necessário. A terceira característica do caráter revolucionário é pensar, sentir e agir de acordo com o senso crítico. O caráter não-revolucionário inclina-se a acreditar nas coisas ditas pela maioria. O espírito crítico torna a pessoa sensível aos clichês, ao chamado senso comum que repete a mesma tolice indefinidamente e só tem sentido porque todos a repetem. A maioria dos adultos é suficientemente “educada” para não ter espírito crítico e por isso aceita como “exato” o que é obvio. A quarta característica do caráter revolucionário tem uma relação particular com o poder. Quem é revolucionário jamais idealiza o poder.

Quem se impressiona pelo poder jamais terá espírito crítico, jamais será capaz de mudar alguma coisa. Justamente por não idealizar o poder, a pessoa revolucionária é capaz de dizer “não”. Ela é capaz da desobediência. Desobediência que o torna adulto e humano. A desobediência, porém, não é sinônimo de rebeldia. Não é uma simples ação contra a autoridade. A desobediência revolucionária é dialética. O seu ato de desobediência é sempre um ato de obediência. A desobediência revolucionária obedece a um princípio, por isso possui coerência. O revolucionário pode desobedecer a determinado Estado, porque obedece às leis da humanidade. A questão não é a obediência ou desobediência, mas desobediência a que e a quem. É justamente esta questão que distingue a desobediência do revolucionário da desobediência do malandro. O malandro não obedece às regras circunstancialmente porque em um determinado momento ele leva alguma vantagem pessoal. O revolucionário, até mesmo não levando vantagens pessoais, desobedece porque é fiel à humanidade. Finalmente, chegamos à última característica do revolucionário: ele se identifica com a humanidade. O revolucionário se emancipou dos laços de sangue e solo, da mãe e do pai, das lealdades com o Estado, classe, raça, partido ou religião. Ele é humanista no sentido de que se sente parte de toda a humanidade. O que mais falta no “mercado” hoje são pessoas com caráter revolucionário, justamente porque a economia de mercado faz questão de eliminar as características revolucionárias. Porém, nós só sairemos da caverna do individualismo e teremos horizontes amplos da cidadania a partir do momento que cultivarmos em nós, e principalmente nas próximas gerações, caracteres revolucionários.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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