teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio

Era uma vez um jovem israelita bom, justo e temente a Deus. Era carpinteiro, tinha seu ofício e ganhava a vida honestamente. Como todo jovem de sua época e de seu povo, sonhava casar-se e ter muitos filhos, família numerosa que desse continuidade à sua casa e a seu nome. Chamava-se José e vivia em Nazaré.

Vendo passar a jovem Maria, o coração de José disparou. Ali estava aquela que era osso de seus ossos e carne de sua carne. A jovem israelita bela e fiel chamou sua atenção desde o primeiro minuto. Seus pais apressaram-se a procurar os pais da jovem e o compromisso realizou-se. Maria de Nazaré passou a ser prometida em casamento ao jovem José.

José trabalhava e sonhava, enquanto esperava o dia em que poderia casar-se com Maria, viver com ela toda a sua vida e gerar filhos que seriam frutos concretos do amor de ambos. Porém, um dia seu coração enamorado recebeu um rude golpe. Maria estava grávida. E ele não era o pai da criança.

A Escritura não nos narra detalhes, mas podemos bem imaginar os abismos de dor e ciúme por onde andou o coração de José, ao acreditar-se traído pela mulher de sua vida, aquela em quem tinha depositado todas as suas esperanças de felicidade. Noites em claro deve haver passado o jovem carpinteiro apaixonado, não podendo crer no que via e ouvia. Maria grávida? De outro homem? Como? Quem? Não podia ser. Ele não podia ter se enganado a esse ponto. Muito deve haver interpelado a Deus o pobre José, ferido em sua dignidade de homem e seu amor terno e doce por aquela jovem.

Tanto amava Maria que após o choque do primeiro momento, começou a pensar em como faria para separar-se dela sem colocar sua vida em risco. Sim, porque a lei de Moisés era clara: uma mulher prometida em casamento já era considerada casada. Se fosse surpreendida em adultério – e a gravidez é um fruto claro da traição – o marido teria obrigação de repudiá-la e ela seria apedrejada.

José, o bom, o justo, o apaixonado, não queria isso. Maria não podia passar por aquela punição tão dura e perder a vida. Decidiu, então, repudiá-la em segredo, sem que ninguém soubesse, para não “desvendá-la” diante de todos e não expor sua vergonha. Mergulhado na tristeza dessa decisão que o separava para sempre de sua amada, sua fé recebeu uma visita divina.
José sonhou – e o sonho na Bíblia é importante momento em que os seres humanos recebem a revelação divina – e acreditou no sonho. O mensageiro do Senhor lhe dizia que não temesse tomar Maria como sua esposa. Ela não o havia traído. O que nela estava sendo gerado era fruto do Espírito Santo. José, o justo, o carpinteiro apaixonado, ouviu a mensagem e nela confiou. Nada mais o separaria da mulher amada nem da criança gerada em seu ventre, que ele assumiria como sua.

E assim aconteceu a Encarnação. Primeiramente, pelo desejo divino de aproximar-se definitivamente de sua criatura, tomando sua carne frágil e mortal, a fim de redimir tudo que era humano. Depois pelo sim confiante e radiante de Maria, que não teve medo nem reparo em comprometer todo o seu futuro para aderir de coração inteiro à proposta divina de ser mãe do Salvador. Mas finalmente, também, e muito, pela fé de José, que não temeu crer que o mistério que crescia no ventre de sua amada era obra de Deus e Seu Espírito.

Neste Advento, enquanto preparamos o Natal do Senhor, contemplemos a figura de José, esse homem bom e justo, esse carpinteiro apaixonado, para quem o amor era algo real e profundo, muito maior que as aparências. Este homem de fé, que acreditava que todo ser humano é imagem de Deus e, portanto, tem dignidade infinita, e mesmo no sofrimento de imaginar-se traído respeitou a liberdade da mulher que escolheu e não quis expô-la diante do mundo.

Que a figura amorosa e paternal de José de Nazaré nos ensine, em uma época de relacionamentos descartáveis e sensações seduzidas, a acreditarmos no amor que vem nascido de mulher, nascido sob a Lei, sobrevivente de uma gravidez de risco, menino frágil, envolto em faixas e deitado em uma manjedoura.

(*) Autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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