A curiosidade me levou, no retorno do trabalho, a olhar a placa dos veículos que circulavam, na mesma direção, ao lado. Velha mania, confesso. Em uma delas, estava bem grafado: Feira Nova. Evidentemente que não era a nossa Feira Nova, município que serve de calçada para o de Nossa Senhora da Glória, depois do de Nossa Senhora das Dores, observando a linha reta. Feira Nova, da placa policial aludida, é município de Pernambuco, circunstância que traz à tona, instintivamente, em um país continental como o nosso, a velha polêmica de dois municípios [brasileiros] terem o mesmo nome. E, aliás, só para exemplificar: a Paraíba tem uma Itabaiana, Alagoas tem uma Capela. Na Paraíba, também, há uma Itaporanga, sem a d´Ajuda que caracteriza a nossa, como o Ceará tem um Canindé, diferente do nosso que traz o nome ligado a São Francisco. Acredito que outros exemplos podem ser garimpados, entre os quais, o de Monte Alegre. O nosso, para diferenciar dos demais, é Monte Alegre de Sergipe, ou seja, não um Monte Alegre qualquer, mas Monte Alegre de Sergipe. Ah, sim, o Ceará tem uma Pacatuba e o Rio Grande do Norte uma Areia Branca.

O termo Feira Nova tem um significado histórico, a marcar a presença de uma feira, perto de outra povoação, destinada a atender a população mais distante da outra, de forma que, quando toma vulto e se torna permanente, recebe, de logo, o nome de feira nova para diferenciar da anterior, a antiga, que se transforma, desta maneira, em feira velha, embora a expressão não chegue a ser utilizada. Assim deve ter ocorrido em todo lugar. O termo, no seu significado histórico e formulação composta, é muito comum. Em Alagoas, por exemplo, quando juiz federal naquele Estado, trafegando de lá para Aracaju e vice-versa, passei muito por Feira Nova, município que fica[va] no meio do caminho entre os dois Estados, tendo o centro urbano cortado pela BR [federal]. Só que, com a morte de Teotônio Vilela, o município alagoano se viu obrigado a mudar de nome para homenagear o senador falecido. Senão, a esta altura, em três Estados vizinhos, teríamos em todos eles um município com o nome de Feira Nova, embora não tivesse sido essa a intenção do legislador alagoano.
Uma vez, no Terminal Rodoviário Governador José Rolemberg Leite, vi uma confusão danada feita por um sergipano, há muito e muito residindo em São Paulo. De volta a seu estado natal, comprou passagem para Feira Nova. Ao entrar no ônibus destinado a Nossa Senhora da Glória, estranhou o fato e começou a falar alto, em busca de uma explicação. Não era aquela Feira Nova, aqui já referido, antes de Nossa Senhora da Glória, que queria ir. Era outro lugar, depois de Campo do Brito. Evidentemente que ninguém no ônibus atentou para o barulho que o cidadão fazia. Nem poderia. Quem ali, motorista, cobrador, passageiros, poderia saber o verdadeiro destino daquele sergipano há tantos e tantos anos em São Paulo, se não havia nenhum outro município com esse nome em território sergipano?

Fosse alguém versado na história da terminologia dos municípios sergipanos, teria facilmente percebido onde o nó se verificava. O cidadão queria, em verdade, ir a São Domingos. Só que não sabia que Feira Nova, do seu tempo de menino, era, agora, São Domingos. Nem ele sabia, nem ninguém mais. De longe, vi o barulho, a aflição do cidadão em trocar de passagem para pegar o ônibus verdadeiro. Já em Itabaiana, consultei a minha mãe, que colocou os pontos no i devido e me esclareceu o enigma. Em menina, habitante de Macambira, muito freqüentou, ao lado da avó materna e das irmãs de sua idade, a feira e as festas de São Domingos, que, à época, se chamava de Feira Nova, para diferenciar da feira de Campo do Brito, de antiguidade amplamente maior. E, aliás, é como Feira Nova que mamãe ainda se refere à cidade de São Domingos. O costume de criança ainda imperando.

Não sei se há, entre nós, alguma lei proibindo a repetição de nomes de municípios. Nunca pesquisei a matéria. Dizem que há, apontando o exemplo de Frei Paulo, que deixou de ser São Paulo. Contudo, atrás da mudança, havia um pano de fundo que a ironia do itabaianense provocou, ao se referir sempre a Frei Paulo, quando era ainda São Paulo, como São Paulo Moleque, São Paulo menino, de calça curta, circunstância que deve ter ferido os brios da comunidade vizinha, a ponto de, chateada da mangação, mudar o nome, para, em lugar do santo, homenagear o frade responsável pela construção da igreja que originou o surgimento da povoação no seu futuro centro urbano. Carvalho Deda, em BREFÁIAS E BURUNDANGAS DO FOLCLORE SERGIPANO, refere-se ao fato, ou seja, ao apelido que se conferia ao freipaulino, de calça curta, sedimentando, no fundo, um exemplo de rivalidade entre os dois centros urbanos vizinhos, rivalidade, que, nos dias atuais, acredito, já deve ter sido superada. Depois, havia outro agravante: ter o mesmo nome do maior município brasileiro era, antes de tudo, um peso muito grande para um pequeno município sergipano.

No caso específico de Feira Nova, não sei qual o mais antigo: se o sergipano, ou se o pernambucano. De qualquer forma, é matéria delicada, que a norma, ao encetar uma proibição, não consegue resolver o problema inteiramente. Um exemplo bem contundente ocorreu na Itabaiana paraibana que, em decorrência de lei estadual, de 1943, passou a ser chamada de Tabaiana, fato que lhe deturpou o nome, a ponto de, cinco anos depois, ter retornado a terminologia antiga. Ademais, o nome do município, a princípio, é a uma questão de âmbito interno de cada um, seara na qual o legislador, seja o federal, seja o estadual, não deve meter a colher, no respeito sempre do nome antigo, que originou a comunidade, a exemplo do que ocorre em países europeus, como Portugal, por exemplo, a conservar em muitas cidades, vilas e aldeias o nome oriundo ainda da dominação romana. Tivéssemos seguido tal precedente, não teríamos alterado o primevo e bonito nome de Cruz do Cavalcante para o de Nossa Senhora da Aparecida.

A propósito do termo Feira Nova, há, em Portugal, uma cadeia de supermercado com esse nome, a assinalar o seu caráter universal, pelo menos em termos de língua portuguesa.

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Publicado no jornal Correio de Sergipe

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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