Padre Beto 29 de janeiro de 2009


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Certa vez, concedeu o famoso destino uma entrevista coletiva. Entre outras afirmações, o destino explicava que seus golpes são simplesmente duros: “Meu punho direito é tão forte quanto o esquerdo. Confiança, fé, amor, enfim, os mais fortes adversários eu já venci com facilidade. Até agora, somente um de meus opositores permanece para mim invencível. Quando consigo derrubá-lo ao chão e penso que ele está derrotado, ele se coloca novamente em pé, totalmente disposto para a luta”. “Mas quem é esse adversário invencível?”, perguntou, então, um dos repórteres. “Eu estou falando da Esperança, é claro!”, respondeu, com certa irritação, o destino.

Muitas vezes somos levados a imaginar que toda a nossa vida já está escrita antes mesmo de nascermos. Acreditamos que forças sobrenaturais controlam nossas decisões e que tanto sofrimento como alegria são presentes do além. Para muitos, o ser humano vive entre o Deus e o diabo. Se não nos refugiamos na proteção do primeiro ficamos à mercê das terríveis ações do segundo. Neste universo de feitiçarias, forças sobrenaturais, milagres, curas divinas, intervenções diretas do sagrado, o ser humano acaba fixando “seu olhar para cima” e deixando de perceber que o mundo foi entregue a ele e cabe a ele mesmo construir sua própria história. Justamente nesta pequena palavra, “história”, encontra-se uma forte contradição à visão determinista do destino. Se a existência humana possui uma história, torna-se impossível conciliá-la à intervenção direta do sobrenatural ou a um plano pré determinado. A história exige que o ser humano seja livre frente suas alternativas. Em liberdade podemos interagir com nosso universo transformando-o e adequando-o às nossas necessidades. Como sujeitos da história, os seres humanos possuem a “caneta” em suas mãos com a qual “escrevem” o sentido de sua existência. “É nos momentos de decisão que o seu destino é traçado” (Anthony Robbins). Até mesmo a noção de “desenvolvimento” não se harmoniza com a realidade histórica do ser humano, pois qualquer concepção desenvolvimentista é obrigatoriamente teleológica, ou seja, seu desenrolar necessariamente almeja um fim determinado. Já a história constitui-se em um processo aberto de interação do homem com seu universo. Ninguém sabe para onde exatamente este processo pode nos levar. Se palavras como destino ou desenvolvimento não se harmonizam com a liberdade humana e a história decorrente desta, o mesmo não acontece com a palavra esperança. Esperança vem do latim “sperare” que significa esperar, este verbo latino por sua vez deriva do substantivo “spes”. Enquanto no português esperança surgiu do verbo esperar, no latim deu-se o contrário: o substantivo serviu de base ao verbo. Portanto, etimologicamente esperar é fazer alguma coisa. Ter esperança é viver a certeza de que nossos sonhos para o futuro serão realizados. Neste sentido, Ernst Bloch entende a esperança como um princípio necessário que estimula todas as iniciativas humanas. Assim, a esperança deixa de ser simplesmente um sentimento ou um desejo interior, para se constituir em um verdadeiro movimento de construção do novo. Para Bloch, o presente não é determinado pelo passado, mas sim pelo futuro que sonhamos. No momento do agora as tendências latentes se abrem para o tempo que está por vir. Ao assumi-las e colocá-las em realização vivemos o sentido pleno da palavra esperança. “O futuro não é um presente, é uma conquista” (Harry Lauder). Mesmo para o humanismo evolucionista, a esperança existe somente na liberdade. Qualquer determinação dogmática que venha a ser obstáculo para a ação histórica do ser humano constitui-se em uma forma de abafar a experiência humana de transformação de sua realidade, de busca do novo, ou seja, de sua esperança. “Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com o que lhe acontece” (Aldous Huxley). Portanto, a liberdade constitui-se em um pré-requisito para a esperança. Sem dúvida alguma esta liberdade não é absoluta, o ser humano nunca é livre totalmente, mas sempre enfrenta as limitações de seu momento histórico, da natureza, de sua cultura ou mentalidade. Mas, a liberdade de tentativa, o esforço livre de busca, torna-se espaço obrigatório para a vivência da esperança, pois, como afirma Karl Barth, ela somente acontece na realização do próximo passo. Não é por menos que na teologia cristã, a esperança pertence, junto com a fé e a caridade, a três virtudes teologais. Enquanto a fé significa a coragem de viver plenamente e a caridade o gesto solidário que nos harmoniza com o universo, a esperança é a própria realização do futuro que sonhamos. Perder a esperança é o mesmo que entregar a outros a “caneta” e assumir uma postura de resignação. “Transportai um punhado de terra todos os dias, e fareis uma montanha” (Confúcio).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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