Quem nós éramos? Quem nós somos? E quem nós estamos nos tornando?

“Os quatro pilares fundamentais da sociedade pós-moderna: o relativismo, o liberalismo, o hedonismo e o consumismo.”

Nos dois últimos ensaios que escrevemos sobre a dualidade existencial e social na qual estamos inseridos e, necessariamente, temos que vivenciar – Cristianismo x Pós-Modernismo – vimos que a denominada condição pós-moderna da sociedade é fundamentada em quatro pilares essenciais: o relativismo, o liberalismo, o hedonismo e o consumismo.

Entender o significado, nas nossas vidas, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, de cada um desses pilares fundantes do meio social em que estamos inseridos, é essencial e verdadeira conditio sine qua non para compreender o objetivo precípuo desta série de artigos, qual seja: “rememorar quem nós éramos, saber quem nós somos e compreender quem nós estamos nos tornando”, no atual estágio da humanidade.

Como temos visto, se hoje “nos falta igualdade, fraternidade, solidariedade, caridade e dignidade e nos sobra egocentrismo, letargia, conformismo, arrogância, corrupção em todos os níveis, “jeitinhos”, desonestidade, falta de sinceridade e etc, de modo que vivemos uma era do discurso, da maquiagem, da engabelação” isso não é sem uma razão histórica e ideológica. Se hoje, como temos denunciado aqui, “o ‘em si mesmo’ tornou o ser humano um ‘independente’, um ser sem expectativa, sem ideal, sem propósito eterno, porque o que vale é o ‘carpe diem’ e a satisfação diária dos ‘meus interesses pessoais’, custe o que custar; e quando eu satisfaço os interesses que estão no meu coração, eu vou em busca de outros interesses, de modo que a vida passa sem propósito existencial nenhum”, tudo isso não nos chegou, não nos foi legado, sem algum nexo causal. Na verdade, como vimos, o que tem acontecido é que, se chegamos até este estágio de consciência e prática de vida é porque o ideário pós-moderno acabou por “enlaçar o ser humano na sua própria fraqueza, no seu próprio egoísmo, no seu próprio hedonismo; e o resultado de tudo isso tem sido a deturpação moral em que vivemos, a letargia social na qual nos encontramos e o individualismo exacerbado que cultivamos e ensinamos aos nossos filhos.”

Diante desse quadro desolador e de desvelamento que estamos a fazer, vimos que, dentre os quatro pilares que fundamentam a sociedade de hoje, indubitavelmente, o principal deles é o “Relativismo”. O relativismo, enquanto modo de pensar e viver da sociedade pós-moderna, tem levado as pessoas, as instituições, os atores principais, enfim, da nossa sociedade, a estabelecer que não existe mais a “Verdade” a se buscar, o “Caminho” a se percorrer e a “Vida” a se viver. Como afirmamos, com base no ideário da sociedade atual, por ser a “verdade” pós-moderna “polimorfa, ilusiva, íntima e subjetiva”, então, não há uma Verdade e tudo depende do referencial do observador, do sujeito cognoscente (o sujeito que conhece). Isso é muito sintomático nas relações interpessoais e institucionais que estabelecemos. Se não há uma Verdade, porque esta depende do campo de visão e análise cognitivo de cada ser humano, então, devemos viver nossas vidas de acordo com a “nossa” “verdade”. Assim, no âmbito da sociedade pós-moderna em que vivemos, o homem é a medida de todas as coisas, das que são e das que não são e, como conseqüência disso, não há espaço para Deus – que seria, mas não há espaço para isso, uma VERDADE ABSOLUTA.

Por assim ser, como afirmamos, várias dicotomias são fragilizadas e deixam de ter importância fundamental para o gênero humano, como por exemplo, em assim sendo, não existe bem/mal, verdade/mentira, belo/feio, certo/errado, vício/virtude, comportamento ético/antiético, responsabilidade/irresponsabilidade, submissão/rebeldia, e etc..

Vimos também, no ensaio da semana passada, um outro pilar fundante da condição pós-moderna: o liberalismo e suas vertentes. Segundo este, se tudo é relativo e depende do referencial, de modo que não existe uma “Verdade”, um “Caminho” e uma “Vida” a serem seguidos, então, é porque somos todos livres para realizarmos as nossas escolhas de acordo com o que cada um de nós entende ser o melhor a ser ou fazer. E mais: se não existem modelos, padrões, paradigmas a serem seguidos, então, eu, livremente, construo o meu padrão, o meu modelo, o meu paradigma, de tal modo que não erraríamos, ao afirmar, que liberdade total (ou libertinagem) é a palavra de (des)ordem da sociedade pós-moderna.

Na sociedade pós-moderna liberal, as tradições e os códigos de conduta moral, anteriormente, escritos e seguidos, até então, como fundamento da vida humana – como a Bíblia, por exemplo – devem ser deixados de lado, porque, simplesmente, oprimem e denegam a individualidade das pessoas (como se elas, realmente, fossem a medida de todas as coisas). A questão que colocamos sobre isso no ensaio anterior foi como seriam as sociedades atuais se não existissem essas regras de conduta moral durante a história da humanidade? Em absoluto, estaríamos num estágio ou processo de autofagia (autodestruição) social.

Esse mesmo pilar liberalista da sociedade pós-moderna – foi o que afirmamos – é o que prega que o mercado é quem deve ser o mentor e o motor da história e, por essa razão, por esse modus vivendi, não é por outra razão, que temos nos tornado uma sociedade hedonista e consumista ao extremo. Os valores, os princípios e as virtudes morais perdem a sua razão de ser para as leis do mercado, para o espírito consumista e para a satisfação dos interesses egoístas de cada um de nós. E é exatamente aqui que entram em ação os dois últimos pilares da condição pós-moderna: o consumismo e o hedonismo.
Alguns teóricos afirmam, categoricamente, que, sob este prisma – o do consumismo e do hedonismo – a pós-modernidade é a lógica cultural do capitalismo tardio. Chevitarese (2001, em “As razões da Pós-mordenidade) chega a afirmar que “muitos têm caracterizado a cultura atual como a da sociedade de consumo; (…) hoje é preciso produzir os consumidores, é preciso produzir a própria demanda, e essa produção é infinitamente mais custosa do que a de mercadorias (…); o consumo de produtos e serviços está mergulhado no sonho que envolve cada signo-mercadoria”. Isso tudo porque o consumismo que nos atinge de cheio, através da mídia invasiva (que chamamos de propaganda, publicidade e marketing), associa o consumo com a realização dos nossos sonhos pessoais, de modo que ser consumidor é ser um realizador de sonhos, e isso custe o que custa, isto é, não importa o coletivo, não importam as demais pessoas, importa a minha satisfação, o meu prazer. Assim, neste contexto, “a atividade essencial do consumo não é a seleção, a aquisição ou o uso real dos produtos, mas a procura imaginária do prazer a que se presta a imagem do produto”, afirma Chevitarese.

Tudo isso é fruto da exacerbação da máxima que tem nos acompanhado, desde o racionalismo, de que o homem é a medida de todas as coisas. Se eu sou a medida de todas as coisas, então, importa, em primeiro lugar, que eu faça tudo em função da realização do meu prazer (por isso o hedonismo). E se sou a medida de todas as coisas, então, tudo que no meu imaginário realiza os meus sonhos, eu quero alcançar, isto é, na linguagem de hoje: eu quero comprar, quero consumir. Ledo engano este, porque nada que é material, preenche, por completo, o vazio espiritual que existe dentro de cada um de nós.

Verdade assiste a Santo Agostinho que afirma, peremptoriamente, que, dentro de nós, seres humanos, existe um vazio existencial com as dimensões e tamanho de Deus. O Hedonismo e o Consumismo pregados, sutilmente, pela mídia televisiva e propagandística, não são capazes de dar à alma e ao espírito humano o prazer e a completude manifestos pela presença de Deus nas nossas vidas.

Semana que vem, encerraremos esta série, falando sobre os valores, não mais praticados como antes, do Cristianismo.

(*) Cristão, Advogado e Professor da UFS – (www.uzielsantana.pro.br)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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