Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
A profecia hebraica é o elemento que diferencia a religião israelita das outras religiões contemporâneas. É também aquilo que deu a Israel uma perenidade e uma capacidade de sobrevivência que as outras religiões não possuíam.
Os profetas de Israel pertencem à categoria dos “portadores de palavra”. Entre os povos e religiões vizinhos a Israel são encontrados homens com atividade semelhante à deles. Mas em Israel os profetas se distinguem pelo conteúdo de sua mensagem. Lá são considerados a “boca falante de Deus no mundo”, falam em nome do Único Deus a um povo eleito, com quem esse Deus fez aliança de amor. O profetismo em Israel repousa, pois, sobre o caráter próprio das relações entre Deus e o povo, tais como foram vividas ao longo da história desse povo.
A partir do século VII, o profetismo bíblico atinge seu apogeu. Deus se dirige a seu povo, ameaçado por imensas catástrofes que se avizinham, uma série de mensageiros que só desejam uma coisa: recolocar o povo no caminho reto da relação com seu Deus e na proximidade tangível e palpável de sua presença. Não são adivinhos, não predizem o futuro. Com uma sensibilidade refinada e um fogo de amor ardendo no peito, os profetas clamam para chamar a atenção do povo, a fim de que volte à Aliança.
Algumas linhas marcam o discurso de todos os profetas: a defesa da justiça e do direito em Israel; a atitude crítica diante de práticas religiosas vazias que não têm correspondência com a vida; um particular interesse pela história que se torna, graças à intervenção profética, uma palavra de Deus; a espera vigilante das ações divinas que revolucionarão o destino do povo.
Os profetas não são chefes políticos revolucionários, nem ideólogos de partidos. Trazem, porém, a grande novidade do espiritualismo liberto de toda rigidez cultual. Dirigem-se a um povo para falar-lhe em nome de Deus. Não fazem teoria, nem enumeram atributos da divindade, mas têm por objetivo essencial colocar o povo no reto caminho da presença de Deus. Preparam o povo para a vinda e a epifania do Senhor, que se aproxima e se revelará no mundo, dentro da história.
Assim foi e fez João Batista, o maior entre os filhos de mulher, de acordo com o Evangelho. Viu que Jesus de Nazaré era a própria presença de Deus no meio da história, na fragilidade da carne. E anunciou, e apontou: “Eis o cordeiro de Deus!” E pela força dessa notícia enfrentou poderes e reis, perdendo a vida por sua fidelidade e coragem. Assim foi Jesus de Nazaré, o maior de todos os profetas, que dá sentido a toda profecia antes e depois de sua vinda. Mostrou a presença de Deus na humildade do amor que se aproxima dos últimos desse mundo, trazendo-lhes paz e vida em abundância.
Assim são os profetas de hoje, nossos contemporâneos, que erguem sua voz sem medo para denunciar injustiças e mostrar o caminho da verdadeira vida. Seria longo enumerá-los. São tantos e tantas, sempre luminosos, sempre perseguidos: Dom Helder Câmara, chamado o bispo vermelho; Dom Oscar Romero, metralhado em meio à celebração da Eucaristia; Jerzi Popielusko, que cometeu a imprudência de enfrentar o rígido regime comunista da Polônia; Dietrich Bonhoeffer, que em meio ao terror nazista renovou a Igreja reformada, foi preso e enforcado; Dorothy Day, a apóstola das ruas novaiorkinas presa uma e muitas vezes por sua incômoda militância. E tantos, e tantas…
A todos e a todas os poderes constituídos perseguiram, mataram sem piedade. Queriam desesperadamente calar sua voz. No entanto, a voz e o ensinamento de todos e todas sobrevive, inspirando gerações e iluminando os caminhos da humanidade. Neste Advento, que a figura de João Batista e seus companheiros de ambos os sexos nos acompanhem para termos a força de assumir o compromisso profético a nós dado como graça pelo Batismo.
Não há que ter medo. Pois o próprio Evangelho diz que, se calarem a voz dos profetas, as pedras gritarão.
Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito – ensaios sobre ética, mística e poética” (Ed. Garamond), entre outros livros.