As estatísticas apontam Goiânia como uma das cidades com maior índice de violências e crimes de morte no Brasil. Somente neste ano, já se somam mais de 400 pessoas mortas pela violência nossa de cada dia.
É bom saber que a sociedade civil começa a reagir e entidades e parlamentares marcaram para esta 4ª feira, 10 de dezembro, um evento especial pela superação da violência. De fato, neste dia, há 60 anos, (1948), a Assembléia Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU) adotou e proclamou solenemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi um acontecimento histórico da maior importância que se inscreve na categoria dos eventos que inauguram novas fases da história. Pela primeira vez, a concepção de vida internacional ia além do estrito campo da relação entre governos. O objeto da declaração é a sociedade civil e os direitos de toda pessoa humana, enquanto tal.
O contexto desta conquista foi o após guerra. A sociedade internacional estava tão chocada com as atrocidades cometidas pelo nazismo que se exigia uma nova ordem internacional, assentada em princípios como a paz, a cooperação e a auto-determinação dos povos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é como um pacto social. Ao proclamar os direitos inalienáveis e básicos de todo ser humano, quer garantir uma base de civilização, a partir da qual as pessoas e povos possam conviver sem precisar ter medo uns dos outros. O texto contém 30 artigos e um preâmbulo que fundamenta a natureza do documento. Recolhe contribuições do passado, como os princípios norteadores da independência dos Estados Unidos (1776) e da Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, aprovada no processo da revolução francesa.
Os Direitos Humanos não são elementos estáticos e definitivos. A base é imutável e universal já que diz respeito à sacralidade da vida e à dignidade irredutível de toda pessoa humana. Os direitos concretos são elementos de conquista gradual e permanente das sociedades e das pessoas. Falamos de direitos civis e políticos quando se tratam de questões que o Estado não pode fazer com nenhum/a cidadão/ã. Não pode censurar o direito de expressão, não pode proibir que as pessoas se organizem em grupos e organizações sociais. Não pode impedir o direito dos cidadãos circularem livremente no país e no mundo. Conforme a mesma legislação, o Estado não pode prender alguém sem ordem judicial. Isso faz parte dos direitos civis de qualquer pessoa. Mesmo alguém que, por comportamentos anti-sociais, não age de acordo com esta dignidade e não respeita a dignidade dos outros, deve ser punido, mas não pode ter seus direitos de pessoa humana desrespeitados. Se policiais ou autoridades, sob o pretexto de se tratar de bandidos, desrespeitam os direitos a pessoa, cometem um crime maior contra a integridade da sociedade humana do que o delito pelo qual a pessoa culpada foi presa e punida.
O simples fato da lei internacional tornar obrigatório o respeito aos direitos fundamentais de qualquer pessoa, pobre ou rica, branca ou negra, torna ilegais todas as ditaduras, revela a iniqüidade de qualquer tipo de tortura e mostra que é impossível uma verdadeira civilização sem respeito às liberdades individuais e à dignidade humana. No entanto, a defesa dos direitos civis e políticos se tornam superficial e improdutiva sem a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais, tanto das pessoas individuais, como das comunidades (direitos coletivos).
Goiânia começa a se organizar contra a violência que a assola. Mas, as estatísticas que apontam Goiânia como uma das capitais mais violentas do Brasil também mostram que é a capital com maior índice de desigualdade social do país. Enquanto em bairros como o Setor Bueno, a média de ganho por família chega a dez salários mínimos (a média), nas periferias, a maioria das famílias não consegue nem atingir o salário mínimo, obrigatório por lei. Esta violência estrutural não justifica nem legitima as violências do cotidiano, mas se os vereadores e as pessoas de boa vontade querem enfrentar a violência das ruas precisam se comprometer com a luta para diminuir esta iniqüidade social.
A pobreza, em si mesmo, é conseqüência e expressão de uma sociedade que desrespeita, ao menos vários ou todos os preceitos dos Direitos Universais proclamados pela ONU. Esta injustiça básica e estrutural não é inevitável. Basta vontade política dos governos e atuação decidida da sociedade civil para estabelecermos uma cidade mais justa.
A defesa dos direitos fundamentais de todo ser vivo expressa a fé na sacralidade de toda pessoa, da humanidade inteira e até de todos os seres vivos. O ser humano pertence ao universo como elemento intrínseco e parte consciente da natureza. Por isso, os Direitos Humanos não podem existir desligados dos direitos da Terra, da Água, do Ar e de todos os seres vivos.
Para os cristãos, Natal não é apenas o aniversário do nascimento de Jesus Cristo e sim a ação de graças pelo fato de que Deus assume o humano e entra definitivamente na história da humanidade divinizando as nossas vidas. Cada Natal revela que o mundo todo se torna um imenso presépio no qual, toda a natureza se alegra com o fato de que “a Palavra divina se faz criatura e arma sua tenda no meio do mundo” (Cf. Jo 1, 14).
(*)Monge beneditino, teólogo e escritor.