Djanira Silva 11 de dezembro de 2008

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Subi a serra. Nos caminhos da cachoeira, sentada na pedra lisa esperei o milagre. Esperei o som, a luz, a cor, a paz. Com a cabeça pendida sobre os joelhos vi a mulher esconder o olhar que não seria o último. Choraria muitas lágrimas ainda, em outros olhares.
Sentada na pedra lisa, esperei o milagre. As águas da cachoeira prometiam. Mas não te traziam de volta, não consolavam a mulher que chorava seu último olhar.
Os sentimentos caminhavam em bando como cavalos selvagens. Não sabia da relva, nem da dor, nem das nuvens, nem do som, ou da luz, nem da que sentada sobre a pedra lisa, esperava o milagre. A dor me confundia. As cores chegaram com o vento que vinha de longe. As águas enlouquecidas se confundiam nas voltas da corredeira e eu ali, sentada, sobre a pedra lisa, aguardava o milagre.
Sonho de amor. Liszt, a primavera. A Ave Maria, o entardecer. A liberdade do homem nos sons, no sorriso preto e branco do piano. O milagre chegou. Nas hastes longas das flores, no colorido do mundo, nos acordes da música que falava de um Sonho de Amor. Na liberdade de poder chorar a último sorriso, nos sons, nas folhas verdes dos gerânios, no prateado da água, no silêncio das flores, nos mistério do amanhecer. Na agonia do homem que interpretou a vida.
O som da vida compassos desencontrados nas ruínas sobre o precipício. A flor rosa, a rosa flor, os animais, os campos, a música ausente na palavra, a morte.
A ausência nunca perguntou por mim. Ofereceu-me um mundo que não pude preencher. Levou-me pelos penhascos, jogou-me entre flores silvestres, entre ervas daninhas. Com meu olhar de amar, colhi a flor azul e a coloquei sobre teus olhos de silêncio. A ausência cresceu, o mundo encheu-se do meu espanto. Só me restou a sombra de uma serra antiga onde perdi os meus primeiros passos. A alegria, já não me magoa. O homem se foi, levou consigo o som, a luz, a cor. Deixou a confusão porque não libertou os sons onde ficou presa sua alma.
A liberdade me assusta. O espaço me absorve. No mundo só escuto não. O pássaro não quer falar, o riacho não quer cantar, as nuvens não aparecem, perdi meu ritmo de andar.
O universo da palavra jogou-se à minha frente. A margarida me entregou o girassol, a orquídea não me viu. Soltas, a borboletas se foram e não voltaram. No meu desespero prendi e perdi as coloridas. Asas caídas, cores desbotadas. Voltei a buscá-las em toda parte. As teias da aranha não sabiam onde elas andavam. A flor azul que existe no olhar da luz, só me falou das que se foram vivas. Se não sou flor, nem sou azul, nem tenho a força para prender comigo o segredo das borboletas, preciso de milagres.
As acácias despencam em meus cabelos. A água liberta a laje fria, o homem livre colocou no som que não foi dito, a palavra sombra.
Estranhos passageiros, caminhos longos, passos ligeiros, inquietação de uma força vencida. O mundo caminha de fora para dentro, alimentando-me a vida. Meus olhos têm lentes, casulos das borboletas que morreram presas.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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