Padre Beto 11 de dezembro de 2008

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Um canal de televisão resolveu criar um novo estilo de “live-show”. Pretendendo elaborar algo parecido com o “Big Brother” que conhecemos, a emissora adotou um bebê com o objetivo de transmitir, vinte quatro horas por dia, sua vida e desenvolvimento. À criança deram o nome de Truman Burbank e, à medida que o menino ia crescendo, a emissora ampliava o estúdio, os cenários e contratava novos figurantes que deveriam representar os papéis de pais, familiares, amigos e visinhos do garoto. Truman se desenvolvia em um mundo perfeito e harmonioso sem saber que tudo não passava de um gigantesco estúdio especialmente construído para o “O Show de Truman” transmitido diariamente através de 5 mil câmeras escondidas. Quando a criança tornou-se adulto, o estúdio de televisão havia se transformado em um mundo à parte. Truman vivia em uma ilha, na pequena cidade de Seahaven e seu cotidiano era acompanhado por milhões de pessoas em diversos países do mundo. Tudo caminhava bem até Truman se apaixonar por uma das figurantes, o que não estava nos planos da emissora. Movida por seu amor ao rapaz, Sylvia tenta revelar a Truman toda a trama sobre sua vida, mas rapidamente é retirada do programa. O desaparecimento brusco da garota, leva Truman a uma caminhada de busca de sua amada e, lentamente, a perceber que algo está errado com seu mundo. O rapaz toma, aos poucos, consciência de que sua ilha é um paraíso harmonioso demais e sua vida está longe de seu controle. Depois de várias tentativas frustradas para sair de sua cidade, o rapaz, finalmente, descobre toda a trama sobre seu paraíso. Em frente à porta de saída do estúdio desenvolve se, então, um belo diálogo entre o criador do programa Christof e sua “criatura”, Truman. Percebendo a indecisão do rapaz em sair completamente de cena, Christof afirma conhecer Truman muito bem pois acompanhou todo o seu desenvolvimento: “Está com medo, por isso não pode sair. No meu mundo você não tem nada a temer!” Porém, o apelo de proteção do criador, não convence Truman: “Você não tem uma câmera em minha cabeça!”

Esta estranha história, contada por Peter Weir em seu excelente filme “O Show de Truman”, se assemelha muito à narrativa javista apresentada no livro bíblico Gênesis (2, 4b-3, 24). Na narração bíblica encontramos um deus que havia modelado o homem e criado para ele um paraíso. Neste, o homem poderia viver “livremente” havendo somente uma única proibição: comer da árvore do conhecimento. O mandamento era claro: “Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer”. Deus cria também a companheira do homem, a mulher. Os dois, segundo a narrativa, estavam nus, ou seja, em total transparência, sem privacidade e não se envergonhavam disso. Foi, então, que com o questionamento da serpente, símbolo da sabedoria no Oriente, a mulher resolve comer da árvore do conhecimento do bem e do mal e seduz seu homem para também se alimentar do fruto proibido. Desta forma, homem e mulher tomam consciência de sua condição. O paraíso é desfeito e o ser humano passa a ter a obrigação de trabalhar e construir seu mundo discernindo o que é bom ou ruim. Tru(e)-man (verdadeiro homem) é modelado por Christof que cria para o rapaz um paraíso perfeito. Truman se encontra “nu”, em total transparência sem ter consciência disso. Praticamente tudo lhe é permitido, menos ter conhecimento de seu mundo e tomar decisões sobre seu destino. O programa se desenvolve com grande sucesso até o momento em que a mulher aparece na vida de Truman. Este relacionamento humano seduz o homem para a libertação de um paraíso escravizante. Tanto no Gênesis como na narrativa de “O Show de Truman”, o criador é um ser que domina o homem e o impede de ser sujeito de sua própria história. Ao homem não é permitido escolher entre o bem e o mal e sua vida se desenvolve em um mundo infantil protegido por um deus super protetor. O amor pela mulher, porém, o leva à busca de independência e de autonomia. A partir do relacionamento com outro ser humano, o homem aprende a dor e a delícia no processo dinâmico do viver. “A vida é uma aventura ousada ou nada” (Hellen Keller). Fora do paraíso o amadurecimento se faz necessário, pois o ser humano possui o futuro em suas mãos. A vida passa a ser um aprendizado que se desenvolve no relacionamento humano, no qual erros acontecem, mas também acertos. O Éden, na verdade, significava para o homem a monotonia harmoniosa e infrutífera. Mais tarde ele descobre o desafio da escolha, o peso da responsabilidade, o prazer do relacionamento, a verdadeira vida. “Para Adão, o paraíso era onde estava Eva” (Mark Twain).

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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