Todos sentimos nessa época de tom especial, o tempo natalino, algo que contrasta com o espírito inerente a esse ciclo: o que deveria ser paz de espírito e de confraternização com amigos e familiares, converte-se em dor de cabeça, irritação e cansaço. Certamente esse não deve ser o “presente” que o Deus-Menino tem a nos dar na celebração do seu nascimento. Isso tudo é fruto de um ritmo acelerado em cumprir todos os compromissos que essa época costuma nos impor. Outro dia eu próprio tinha cinco compromissos a cumprir numa mesma noite. Consegui reduzi-los a dois : o Natal do Instituto Geográfico e Histórico da BA, sempre organizado sob a batuta da grande Consuelo Pondé e o do Grupo da Melhor Idade Integração, realizado tradicionalmente no Othon – esse grupo está cada vez mais aprimorado, com cantos natalinos e até números de danças realizados pelas integrantes, que percorrem a idade dos sessenta e cinco aos noventa e dois anos . Nos dias anteriores houve o Natal da Academia Mater Salvatoris e da Fundação João Fernandes da Cunha.

Esses dias tão marcados por uma forte espiritualidade, são levados por um turbilhão de compromissos e corrida às compras, tudo gerando uma estafa crônica – é a síndrome do Natal. Nos EUA o distúrbio desse estresse natalino chama-se “multitasking”, múltiplas tarefas . E o agravante no Brasil, é que as pessoas deixam as compras para a última hora. De acordo com dados do Centro Psicológico do Controle do Stress (CPCS), de Campinas, as situações de estresse aumentam uma média de 70% nas últimas seis semanas do ano.

O jornal Diário de PE sugere até algumas “Dicas para sobreviver a dezembro”, como por exemplo: 1- Delegar as tarefas do Natal; 2- Optar por fazer compras em horários alternativos; 3- Evitar levar as crianças às compras; 4- Desligar-se da obrigação de comprar presentes e não comparecer a todas as confraternizações; 5- Negociar os presentes com os filhos.

A grande verdade subjacente a todos esses problemas é a importância de deslocar o foco do consumo desenfreado e que as pessoas recuperem a essência do objetivo original do encontro natalino. O Natal conserva uma mensagem necessária e atual para crentes e não-crentes : desejar o bem ao próximo e construir um mundo de paz sem tantas desigualdades: será que só há Natal para quem pode ter uma boa ceia natalina?

Sob o ponto de vista bíblico-teológico, Jesus Cristo representa o encontro de Deus com a pessoa humana. Toda essa reflexão nos é propiciada no Natal através do grande mistério da Encarnação do Filho de Deus e da “divinização do homem”, como diziam os teólogos dos primeiros séculos. Por isso João, o evangelista, diz que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Nessa afirmação está contido o máximo que podemos dizer de Deus e o máximo que podemos enunciar do homem. O Menino que repousa no presépio, em sua singeleza despretensiosa, contém a chave que ilumina o mistério da humanidade e o de Deus. Nele ambos se encontram, Deus e a criatura, numa absoluta imediatez: olho a olho, coração a coração, frente a frente. Esse mistério, a despeito do seu segredo, da sua misteriosidade, não nos aterra. Ao contrário, nos alegra sobremaneira. Os limites da nossa compreensão não nos entristecem; ao invés, nos aproximam do Amor Divino, por causa de sua simpatia para com a causa humana.

Há no coração da pessoa uma inquietação constante, uma busca de valores que a transcende. Santo Agostinho já manifestou essa busca : “Meu coração está inquieto , ó Deus (…)”. Essa sede infinita do homem trai a presença do Mistério de Deus dentro do seu coração. Quanto mais ele comungar com o Infinito, mais pessoa humana ele se torna. A nossa pobreza e limite é a forma que Deus toma para se fazer presente no homem. É o lado divino do homem e não apenas no homem.

O Natal revela o lado humano de Deus e o lado divino do homem. O homem é uma parábola de Deus. Se ele é comunhão, transcendência, abertura para outrem é porque reproduz, ao nível da criatura, o próprio modo de ser de Deus.
Vamos concluir fazendo nossas as palavras do Papa S. Leão Magno (falecido em 461), num célebre sermão na noite de Natal : ”A união das duas naturezas, a divina e a humana, numa só Pessoa, eis o que a palavra não pode explicar, se a fé não o crer. Alegremo-nos, portanto, de nossa incapacidade para falar de tão grande mistério de misericórdia, e, não podendo expressar o que há de sublime em nossa salvação, reconheçamos o que é bom para nós ser assim vencidos. Humildemente, tentemos nos achegar a esse mistério. De onde partir, do homem ou de Deus? Sendo Cristo o encontro de ambos, qualquer ponto de partida é excelente, porquanto nos conduz ao mesmo fim: o encontro do homem em Deus e de Deus no homem”.

(*) Sebastião Heber Vieira Costa. Professor Adjunto de Antropologia da Uneb, da Faculdade 2 de Julho, da Cairu. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da BA, da Academia Mater Salvatoris e do Instituto Genealógico.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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