Djanira Silva 18 de dezembro de 2008

[email protected]
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/

-Bom dia.
– Dia bom.
– Não vai sair?
– Hoje não. Está esquecida da data? É dia 2.
– De novembro.
– Desde ontem começaram a armar as barracas. A Prefeitura se apressou em cortar o matagal que já tomava conta de tudo. Todo ano é a mesma coisa. A gente passa um ano esperando para ser lembrada.
– Ainda bem que sou sua vizinha, você é divertida, sabe das coisas, sai sempre e quando volta traz novidades.
– Por que também não sai?
– Não tenho ânimo. Ainda estou muito fraca.
-Vai se recuperar. Não demora muito. Eu já me recuperei. Hoje, vamos nos divertir aqui mesmo.
– Como?
– Espere e verá.
– Você é irreverente.
– Irreverência é melhor do que falsidade. O desfile vai começar daqui a pouco. Alguns mais mortos do que nós.
– Sorvete!…Cachorro quente!… Refrigerante!!!!
-Está ouvindo? Começou. Até churrasquinho estão fazendo por trás da catacumba de Agamenon.
– Quem é esta mulher ajoelhada ai?
– Minha irmã. Passa um ano inteirinha esquecida de que eu não existo. Hoje lembrou, é dia.Trás flores. Angélicas, horríveis, têm cheiro de defunto. O perfume que usa tem o cheiro de uma pessoa que conheci.
– Viva?
– Não, morta.
– Não existe pessoa morta.
– Claro, eu sei, é força de expressão. Depois que se morre vira-se coisa.
– Olha a cara dela. Está fazendo esforço danado para chorar. Acha pouco o que chora todo os dias.
– Por que chora tanto? É pobre? Sofre de algum mal?
– Nada, é casada, sofre de marido.
– Você é ótima.
-Mora num palacete. Tem bons empregados, é podre de rica. Os filhos são bem educados, estudiosos, no entanto, o marido é uma peste. Gasta o dinheiro dela com outras mulheres.
– E ela não reclama?
– Se reclamar, apanha.
– Nossa, é mentira.
– Juro.
– Não jure, é pecado.
– E eu lá posso pecar. Quem dera.
– Olha, ela conseguiu chorar.
– É pensando nas patifarias do marido.
– Coitada.
– Coitada coisa nenhuma. Quando casou, sabia.
– Bem feito.
– Menina, quanta gente. É mesmo uma festa.
– Dos vivos. Estou cansada. Que dia chato. Deixei de sair para ver o movimento. Nem valeu a pena. Já não se chora como antigamente.
– Olha, olha um homem chorando. Quem será que morreu? Certamente não foi a sogra.
– Ainda diz que sou irreverente. Foi a mulher dele.
– Ainda é moço, casa novamente.
– Claro.
– Como é que você sabe de tudo e eu não sei quase nada?
– Porque você é uma defunta fresca. Com o tempo aprenderá. Vou andar por aí.
– Vai para onde?
– Visitar Frei Damião.
– E ele está doente?
– Você é ignorante mesmo.
– E você é fofoqueira.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]