Marcelo Barros 25 de dezembro de 2008

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É véspera de Natal. Para muita gente, o programa desta noite é uma ceia festiva ou um encontro familiar especial. É bom que, independentemente da sua dimensão religiosa, o Natal possa unir as pessoas e provocar confraternização. Antigamente, a noite de Natal era de vigília na esperança do sol. Depois de dias e dias, sem dar a sua luz, no duro inverno do norte, o sol volta a brilhar na manhã do 25 de dezembro. Por isso, os cristãos escolheram esta data para festejar Jesus Cristo, como luz que ilumina as nossas vidas e nos torna mais humanos. Mesmo pessoas de outras religiões, como aquelas que não têm nenhuma expressão de fé se alegram e gostam de crer que a divindade não precisa de templos de ouro para vir nos encontrar. O mundo se torna um imenso presépio no qual Deus pode se deitar em nossas palhas e em meio à nossa pobreza estrutural.

Antigamente, as religiões opunham o humano e o divino, assim como, até hoje, certo espiritualismo opõe o material e o espiritual. Quando se diz que alguém é espiritualizado, parece que se entende ser alguém desligado da matéria. Na própria Bíblia, ao contar a sua vocação de profeta, um discípulo de Isaías escreve: “Uma voz diz: Grita! Respondi: O que hei de gritar? Toda carne (toda criatura) é como a erva do campo. Toda a sua beleza é como a flor do campo. A erva seca e a flor murcha quando sobre elas passa o vento divino. Na verdade, o povo é mero capim que hoje existe e amanhã é jogado ao fogo. A Palavra de Deus, ao contrário, permanece eternamente!” (Is 40, 6- 8). A novidade do Natal é que o evangelho diz: “A Palavra de Deus se fez carne e armou sua tenda no meio de nós” (Jo 1, 14). A partir de agora, não existe mais divisão entre o divino e o humano já que do próprio Jesus, se pode dizer: “Humano assim a este ponto, só pode ser divino”. O corpo não é mais um cárcere do espírito. A espiritualidade do Natal nos faz amar o corpo, apreciar a beleza das pessoas, valorizar as relações, mesmo aquelas que parecem superficiais e descobrir uma dimensão sagrada do erótico. Somos chamados a viver no mundo, cuidando do que é real e como pessoas humanas que assumem sua humanidade.

Ao assumir nossa realidade e revelar a divindade presente na dimensão humana, Jesus valoriza os outros caminhos espirituais através dos quais as pessoas buscam a Deus. Pelo fato dele ter assumido nossa realidade humana, ele me ensina como cristão a reconhecer a presença divina em Maomé, em Buda e nas manifestações de todas as culturas e religiões. O Natal atesta que Deus veio encontrar “toda pessoa humana que veio a este mundo”, independente de qualquer classificação cultural ou religiosa. Quem descobriu o sentido mais profundo do Natal, se abre sempre mais ao outro e ao diferente. Quem não é capaz de aceitar o diferente não sabe o que é Natal.

Ao assumir a humanidade em toda a sua complexidade, Jesus assume uma dimensão masculina, mas também manifesta um ser feminino. Revela um Deus que é Pai e Mãe e permite que o chamemos de Ele e Ela. Na realidade do nosso mundo ainda tão ferido por desigualdades de gênero, o Natal nos revela o rosto feminino da divindade.

Pelo que, através desta reflexão, você pode perceber, o Natal é mais uma realidade a ser ainda acolhida e vivida do que simplesmente a memória de algo do passado. Por isso, o que constitui verdadeiramente esta festa é a vigília, a espera. De fato, é como se não pudéssemos ainda chegar ao dia 25 propriamente dito. Estamos vivendo a noite entre o 24 e o 25. Vivemos a espera da madrugada, já antecipando a alegria do dia novo que virá. Esta realidade é expressa nas Igrejas tradicionais pela chamada “Missa do Galo”. Hoje, na maioria de nossas cidades, por motivos de segurança ou de mera conveniência, o culto que tradicionalmente era à meia noite, é antecipado para às 19 ou 20 horas. Mas, o sentido desta vigília é nos reunir na expectativa de uma madrugada nova para as pessoas e para todo o universo.

Nas vigílias dos mosteiros antigos, repete-se um refrão litúrgico, baseado no livro do Êxodo: “Hoje, todos saberão que o Senhor virá e amanhã poderão ver a sua glória”. Parece irreal e até alienado cantar: “Hoje ainda poderá ser destruída a iniqüidade do mundo, porque reinará sobre nós o Salvador”. Entretanto, se trata de um cântico profético que nos anima na esperança de caminharmos nesta direção.

Que a paz e a alegria deste Natal desça sobre cada um/uma de vocês. Um feliz Natal de esperança e nova humanidade.

(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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